terça-feira

eu ouço gente viva



Em abril estreia o filme Chico Xavier de Daniel Filho, que deverá materializar em pouco tempo uma montanha de dinheiro. O diretor poderia ter escalado, no além, Beethoven, Bach ou Pixinguinha para compor a trilha sonora, mas optou por Egberto Gismonti, que tem a vantagem de estar vivinho da silva e não corre o risco de dar susto em ninguém quando aparece de repente, sem avisar. Ok, o cabelo pode causar um certo impacto, mas o Egberto é um espírito de luz.

Encontrei esse vídeo no Youtube no qual Gismonti rege Olivia Byington, que faz os vocais. Gostei, mas quero ver o resultado no cinema, com aquela paisagem mineira mais serena que a vida na eternidade. Se existe vida após a morte, só espero que tenham escalado um bom músico para cuidar da trilha. Porque no inferno, tenho certeza, só toca Rebolation.

quinta-feira

o dia em que quase conheci Dizzie Gillespie



Em 1956, quando Dizzie Gillespie esteve no Rio, quase me encontrei com o fundador do Bep-bop. Ele esteve na escola de samba da Portela, no bairro de Madureira, perto de Bento Ribeiro, onde minha mãe se restabelecia de um parto difícil na casa de meus avós. Eu ainda mamava no peito e não sabia que um dia lamentaria não tê-lo encontrado, apesar de ele estar tão perto. Mas minha mãe, apesar de saber o caminho até Madureira, não conhecia nada de jazz. O ritmo que embalava seu coração era o dos samba-canções. Como eu era muito pequeno, não pude ir sozinho.

terça-feira

damosel



Tenho algumas cartas de minha mãe, escritas quando ela tinha 18 anos, no começo dos anos 50, quando ainda era solteira. E, ao encontrar esse "reclame", embarquei numa viagem no tempo, quando ela se parecia com essa moça recém-casada. O clima do comercial, a música, o texto, as imagens, os costumes da época parecem marcar um período mais feliz de nossas vidas. Uma felicidade ingênua. Talvez faça falta essa ingenuidade. Estamos falando de um período de pouco mais de 50 anos e parece uma história de Machado de Assis, cabrioles, anáguas, perfume Damosel.O mundo andou muito rápido ou fomos nós que que ainda estamos esperando o sinal abrir? Às vezes sinto saudades de um período que não vivi e passo a achar que bom mesmo eram os anos 40, quando qualquer botequim de Nova York vivia coalhado de músicos de jazz ou quando Oscarito e Grande Otelo representavam um protótipo de brasileiro pobre, mas alegre. Vestíamos uma camisa listrada e saíamos por aí. Saudade de quando as mulheres usavam Damosel e os homens perdiam a cabeça e as levavam ao altar.

segunda-feira

pão e circo

Em 1969,no terceiro ano do ginásio, um colega de classe, filho do dono de uma loja de sapatos (a cada dia ele usava um par diferente), me emprestou o LP "Panis et Circenses", dos Mutantes. Foi um choque para quem estava acostumado a ouvir aquelas baladinhas românticas da Jovem Guarda. Devo ter arranhado o disco de tanto ouvi-lo. Panis et Cirecenses, que dava nome ao álbum, era minha preferida. Nem imaginava que grande parte daquele entusiasmo musical se devia ao maestro Rogério Duprat, autor dos arranjos.

Eu tinha um primo baterista que me apresentou à Bossa Nova e era fanático pela Elis Regina; ouvia minha mãe cantando Angela Maria, Caubi Peixoto e Dalva de Oliveira; meu pai gostava de Chico Alves. Mas os Mutantes eram muito diferentes daquele caldeirão de sons que eu estava habituado a ouvir. Devolvi o disco e só fui comprar meu exemplar há uns cinco anos, agora como CD.

Gosto de todas essas interpretações que encontrei no Youtube: a original dos Mutantes por poder rever Rita Lee, uma lindinha fácil de se apaixonar (hoje uma velhinha muito chata); a de Marisa Monte para me lembrar que um dia eu torci o nariz para ela, incomodado com o marketing que cercou sua descoberta e lançamento (hoje já superei); a do Boca Livre, pela voz maravilhosa desse grupo que também não mais existe.