quinta-feira

[um ônibus sai do alabama e passa por goiás]

Em 1955, Rosa Parks estava nesse ônibus, que circulou na quarta-feira em Rio Verde, Goiás.

[depois do protesto dos executivos em São Paulo que ergueram barricadas nas ruas com suas pastas 007 e notebooks com conexão wireless, contra a proibição de ônibus fretados em alguns bairros da cidade, foi a vez de uma voz solitária, de uma mulher persistente de Rio Verde (GO) fazer valer seus direitos, lembrando a resistência pacífica de Gandhi. Mesmo longe do congestionado trânsito paulistano, por coincidência o motivo do protesto da aposentada Luzia Jesus de Oliveira, de 60 anos, foi também o transporte coletivo.

Ela entrou no ônibus e exigiu não pagar a passagem por ter 60 anos e direito a receber esse benefício legal. O motorista não concordou e pediu que ela descesse. Suponho que educadamente. Ela bateu o pé: não. O motorista também foi cascudo: então ele não sairia do lugar pois recebera ordens da empresa de não permitir a carteirada de idosos. Ela não arredou pé. Os demais passageiros, já atrasados em seus compromissos, saíram do ônibus. Ela ficou sozinha em seu assento, o motorista no dele. Creio que houve um silêncio abissal entre ambos, até a chegada dos jornalistas (diplomados e não diplomados), com sua parafernália de câmeras, microfones, rotativas, estilingues (para autodefesa, claro) e bolas de gude. Se fosse no boxe seria uma luta fadada a terminar em empate técnico; se fosse no xadrez, a partida teria que ser interrompida e reiniciada no dia seguinte. Mas o palco era uma cidade brasileira e o motorista sacou sua última carta, digna de países localizados abaixo da linha do Equador: "vou chamar a polícia".

Dona Luzia não se intimidou, como não se intimidaram os engravatados e as mulheres de terninho de São Paulo, equilibradas em saltos que só perdiam em altura para o Edifício Itália. Pois chame, que eu não sou estudante da USP (na verdade quem usou esse argumento irrefutável foram os manifestantes paulistanos, lembrando sutilmente que a tropa chamada pela reitora baixou o porrete nos alunos da USP em greve). Só faltou o rádio do ônibus tocar o Hino Nacional, pois o que ela falou naquela hora estava carregado de fervor cívico, salve, salve: "Estou aqui para defender minha classe. Não só os idosos de Rio Verde, mas de qualquer lugar do Brasil. Eles têm que aprender a respeitar a terceira idade".

Uma funcionária do serviço de trânsito da cidade, Idelma Lopes da Silva, interveio com a força de seu cargo: "Você leva a moça até o destino dela. Se alguém da empresa questionar, você diz que é ordem da Secretaria Municipal de Transportes". O motorista, imortalizado pelas câmeras de TV no papel de vilão dessa novela rioverdana (até sua mãe o odiou naquele momento), engatou a primeira. O motor do ônibus roncou preguiçosamente, a porta foi fechada e Dona Luzia seguiu sua viagem, gratuita, até seu destino. Ela estava atrasada, mas saiu de alma lavada e engomada com anil. Ela abriu a janela, sorriu e fez um sinal de positivo com o polegar da mão esquerda (será que, além do mais, ela é canhota?) para delírio de fotógrafos e cinegrafistas que colocaram Rio Verde em horário nobre.

Há 54 anos, Rosa Parks, uma costureira negra que se recusou a dar seu lugar a um passageiro branco, num ônibus na cidade de Montgomery, no Alabama, desencadeou um movimento de boicote contra o transporte coletivo da cidade e fortaleceu o movimento dos direitos civis nos Estados Unidos e a luta contra o segregacionismo. Hoje o ônibus no qual Rosa Parks foi barrada pode ser visto em um museu. O ônibus de dona Luzia circula livremente por Rio Verde, levando outras pessoas idosas que, a partir de agora, se sentirão apoiadas para também reivindicar seus direitos.]

quarta-feira

[protesto de salto alto]

[o jornalista e escritor Gay Talese recomenda que os repórteres devem praticar o legswork, ou seja, o trabalho de pernas, andar pelas ruas e ver o mundo com os próprios olhos. Uma canção do Milton Nascimento já dizia sabiamente: "todo artista deve ir aonde o povo está". Quando eu trabalhava em redações, os chefes de reportagem literalmente nos expulsavam e nos mandavam procurar notícias nas ruas.

E saíamos. Às vezes dava tempo até de ir ao cinema ou tomar uma cerveja com o fotógrafo enquanto batíamos perna ou rodávamos sem destino pela cidade no carro de reportagem, como policiais em busca de ação. Nem sempre tínhamos sucesso, mas às vezes conseguíamos chegar na hora certa e no local certo de um acontecimento.

Digo tudo isso por causa de um acontecimento que teve grande destaque nos jornais de hoje de São Paulo, mas que, infelizmente, não teve a abordagem que merecia do ponto de vista jornalístico-literário: a grande manifestação contra a proibição de ônibus fretados em diversos bairros da capital. A cidade parou com os piquetes armados por senhores engravatados e mulheres de terninho e salto alto, os grandes prejudicados pela medida. Não quero falar desse assunto sob o ponto de vista político. Me interessa apenas a forma como foi tratado pelos jornais.

Foi a revolta dos executivos de classe média que, no dia-a-dia, fogem de qualquer envolvimento com polêmicas e não querem saber de confusão. Normalmente ficam à espreita, observando, ou lendo através dos jornais. Que histórias saborosas foram perdidas porque alguns jornalistas não tiveram olhos para ver. Se o trabalhador unido jamais será vencido, como dizia o bordão dos sindicatos nos anos 60 e 70, em plena ditadura, os executivos unidos certamente viram que tem muito a ganhar, além de apenas dar quórum às apresentações de power-point em suas empresas.]

terça-feira

["prepare o campo"]

[como dizem os animadores ao arranhar o microfone para o início das apresentações: ... scratch... scratch.. um-dois, testando, um-dois...

Estou de volta depois de um período em que estava praticamente sem tempo para postar coisas novas. Foi um período de trabalho pesado que acabou prejudicando o que eu mais gosto de fazer, que é escrever descompromissadamente sobre coisas que eu gosto. Ou pelo prazer de fazer tiro ao alvo com as palavras. Li as manifestações pedindo meu retorno do exílio e fiquei muito contente. Também estava sentindo falta do espaço, da troca de idéias, do aprendizado com os amigos e amigas de outros blogs. Isso me fez lembrar de um livro que virou filme (Shoeless Joe), com Kevin Costner, que foi batizado aqui de "O Campo dos Sonhos". É uma história de realismo fantástico, na qual o personagem principal (Kostner) ouve uma voz surrurrante que parece sair do meio de seu milharal: "prepare o campo que eles virão". E ele não sabe do que se trata e fica confuso. Não vou contar o fim do filme para não perder a graça. Mas eu me senti um pouco o Kevin Costner olhando para o milharal. Vejo que preparei o campo e vocês estão voltando para o jogo. Obrigado pelo carinho.]

segunda-feira

["uma coisa interessante"]


Do jornal português Diário de Notícias, sobre a iraniana Shirin Ebadi, prêmio Nobel da Paz:

["bem, hoje aconteceu uma coisa interessante no trabalho." Foi assim que Shirin Ebadi, a iraniana e única mulher muçulmana detentora do Prémio Nobel da Paz - que lhe foi outorgado em 2003 -, começou a conversa com o marido para lhe contar que, nesse dia, ela tinha lido a sua própria sentença de morte. ]


[mapa regional de escritores]

Deu no jornal A Notícia, de Joiville (SC):

[a partir de agosto, os escritores de Joinville terão mais um canal para buscar novos leitores. O site Joinville Literária vem para desenvolver um inventário da produção literária contemporânea joinvilense, constituindo uma biblioteca digital que permitirá o acesso a textos e informações literárias. A iniciativa do Programa Nacional de Incentivo à Leitura (Proler) da Univille será lançada oficialmente no dia 14, às 19 horas, no Anfiteatro da universidade.O Joinville Literária é um projeto de pesquisa coordenado pela professora Taiza Mara Rauen Moraes. Aprovado em edital interno da Univille no final de 2007, a ideia começou a ser desenvolvida no começo do ano e agora está próxima de ir ao ar. “Hoje, nem está mais tão complicado publicar, mas o problema é fazer circular. O escritor não tem a dimensão de quanto seu livro está sendo lido”, explica Taiza.
Coordenadora do Prêmio Joinville de Expressão Literária, Taiza diz ter observado um crescimento no número de jovens interessados em literatura na cidade, aliados a um bom texto. “O prêmio se solidifica a cada ano com escritas de muita qualidade”, argumenta. ]

[emoção consentida]

[o Eduardo me presenteou no domingo com uma postagem especial no seu Blog Viciado, escolhendo o texto As Palavras Justas, como o melhor da semana passada. Me alegra a homenagem pois escrevi esse post depois de alguns dias de inatividade no blog e queria colocar um texto mais "forte".

Na verdade, eu tenho pensado com frequência na tendência que muitos blogueiros tem em revelar suas entranhas nos textos que publicam. Nada contra. Mas, muitas vezes, esses textos escritos de forma rápida e servidos com o grosso caldo da paixão, viram apenas um desabafo, um pedido de ajuda para um confidente. O blog volta a ser então o velho diário. Nada contra o velho diário, mas a proliferação de blogs permitiu também que surgissem pessoas interessadas em tornar essa exposição assunto público, mas de forma controlada, domada. Já não publicam com tanto ímpeto. Não correm para escrever a primeira palavra que chega à mente. Elas medem mais as palavras. Não porque estejam se policiando, se autocensurando, mas porque querem encontrar a palavra certa para exprimir o que sentem. Sem transbordamentos, sem excessos, sem adjetivação (Drummond aconselhava os jovens escritores a usarem um substantivo quando estavam divididos entre dois adjetivos). E procuram, cada vez mais, trabalhar o sentimento com a palavra escrita. Esse é o trabalho literário. Ele dá certo no livro e dá certo na internet, mesmo que a linguagem seja diferente. Mas não é tão diferente assim.

O trabalho do escritor e o do jornalista seguem a mesma trilha, apesar de os textos jornalísticos atuais estarem muito engessados pelos manuais de redação e também pela pouca cultura literária e jornalística dos próprios jornalistas que hoje estão na ativa. Mesmo assim, os jornalistas são incentivados a condensar seus textos, evitar a repetição de palavras e torná-los mais diretos, sem adjetivação nenhuma. Por isso os textos são mais secos (mas não precisam ser desérticos). Uma grave deformação nos jornais de hoje é a extinção da emoção. Para preservar uma suposta imparcialidade, impede-se que o jornalista coloque o que sente em seus textos e pratique um estilo próprio. Nos Estados Unidos, Gay Talese, Tom Wolf e Norman Mailer subverteram o texto jornalísticos com o chamado new journalism. No Brasil, alguns jornalistas quando tentam fazer o mesmo o fazem de uma forma narcisista. É como se dissessem para o leitor e para seus colegas: "veja como eu sou bom, como escrevo bem". E aí o jornalismo vira apenas um exercício estilístico e continua sem a emoção.]

[as palavras justas]

[dunga, o treinador da seleção brasileira, não o anão da Branca de Neve, tem uma frase de efeito que serve como chamada aos brios dos jogadores: no futebol só existe o presente, ou seja, o jogo de hoje. Não importam as glórias do passado se não vencermos hoje. E não haverá futuro se também não vencermos hoje. Ele pode estar certo ao pedir resultados imediatos. Até porque é o pescoço dele que está em jogo. Hoje.

Nesse ponto, o jogo de bola se distancia do da vida. Vivemos dos campeonatos passados, principalmente das derrotas, das goleadas, das desclassificações, da morte súbita. Somos o goleiro Barbosa, caído na área e vendo a bola entrar lentamente no canto. Mas precisamos prolongar ainda mais esse sofrimento escrevendo sobre ele, debruçando-nos sobre o computador e procurando a palavra justa que traduza a dor. E ainda o dividimos com o leitor, testemunha de nossa derrota.

Nos blogs, jovens expurgam a dor de relacionamentos desfeitos, de paixões não correspondidas, em poemas rápidos e mal-passados. Alguns leitores os comentam: que lindo. Que lindo o amor frustrado, a alegria interrompida, a felicidade adiada. Não quero que alguém sofra para que eu tire lições da minha própria dor. Jovens cronistas e poetas, não escrevam sobre essa dor momentânea, do presente. Voltem ao passado e busquem uma dor ancestral, antiga, que não é de vocês. Anseiem por essa dor sem dono, mas que é coletiva, que nasceu com o primeiro ser humano. Procurem respostas que, de antemão, vocês sabem que não vão encontrar. Mas mesmo assim não desistam de procurá-las no rosto de cada pessoa que encontrarem em casa, no trabalho, nas ruas. Elas também não saberão e isso aumentará ainda mais sua aflição. Depois escrevam, escrevam em profusão, até se sentirem saciados; depois cortem e cortem mais até que restem apenas poucas palavras. Essas serão as palavras justas que nós precisamos ler.]

sábado

[novos tempos]

Antenado com os novos tempos de banda larga, no terreiro de um moderno pai de santo, com mestrado na USP, que sai regularmente na coluna da Mônica Bergamo e seguido por milhares no tweeter, os santos não baixam. Fazem download.

sexta-feira

[um sonho de laura]

Do blog de Laura Diz

[sonhei que ao dar gorjeta para alguém me atrapalhava com as moedas - sempre acontece - e ele ficava com cinco reais. Eu fico zangada e o firo com algo pontiagudo e fujo. Ele quer me matar. Cruzes!]

quinta-feira

[não tenho pena do Luis Fernando Verissimo]

Se seu time colorado fosse mais competente, ele estaria feliz, mas eu estaria triste. E a tristeza não me cai bem. Se fosse poeta escreveria para debelar esse estado de alma versos mal-passados, sangrando, ao corte argentino. Mas estou mais para um virado à paulista, encharcado de óleo, mas necessário nas segundas-feiras frias.

[remendos no casco e velas costuradas]

Me senti nesses últimos dias como um navio atracado num estaleiro a espera de seu casco ser remendado para prosseguir viagem. Com uma série de afazeres que me roubaram boa parte do tempo criativo (não confundir com o chamado ócio criativo, ao qual ainda não fui apresentado) e com problemas de conexão à internet, fiquei vendo os marinheiros desocupados, em busca de prazeres fugazes, apontando gravetos com seus canivetes suíços. Mas não abandonem o convés e não se afastem muito dos remos pois já começamos a sentir as lufadas de vento. Temos mais meia duzia de grumetes a bordo e já vou falar deles. Não quero que se sintam desocupados.