“A rigor, o valor de um poema define-se pela sua linguagem. Como há 5 mil anos foram feitos milhões de poemas e o poeta vai repetir aqueles mesmos temas, penso que somente a linguagem pode ser o diferencial na forma de colocar estes temas. Mas não é só isso: é preciso que a linguagem se transforme no fenômeno poético! O que é isto? Esta é uma questão que gostaria mesmo de polemizar, por isso algumas frases provocativas. Ser poeta é visualizar outro estado de ser. Vejo a poesia como um ser vivo e sagrado em seu desdobramento mítico e inviolável. O conteúdo de um poema só é bom quando instala o estranhamento, o mistério, a indagação. Só é bom quando se afasta do transitório, da banalidade, da babaquice, em direção ao eterno. A arte é ainda uma catarse. Exige nosso sangue. A poesia circula nas veias do poeta, na angústia de ser poeta. O verdadeiro poeta transcende os limites da percepção rotineira. A verdadeira poesia rompe o tecido conceitual da realidade, cria uma nova tessitura poética, mais real, irreal, surreal em sua essência (....) O lugar do poema é no limiar da metáfora, embora a poesia moderna privilegie a metonímia, é a metáfora que dá emoção à poesia. Mas emoção, como dizia Ferreira Gullar, não é emocionalismo barato. O bom poema necessita de contida elaboração, mas a técnica por si só pode tornar-se inútil e estéril se não veicular a poesia (....) Tenho lido muitos poemas em meus 65 anos, no entanto, parece que quase todos dizem la stessa cosa. O mais patético, hoje, são aqueles que fazem ‘experiências’ com a palavra sem nada a ver com a poesia”.
Osmar Pisani
Osmar Pisani
(1936-2007)
"é preciso que a linguagem se transforme no fenômeno poético!"
ResponderExcluirSim!
Lembrei-me de Nietzsche quando dizia que toda palavra deveria ser cantada porque só assim ela poderia atingir toda a sua força poética.
A linguagem por sua vez será instrumento de demarcar quem o escreveu...
Poesia é sempre vida
é sempre morte e vida...
Abraços, querido Luiz!
Boa a frase do Nietzsche, Jaque.
ResponderExcluirNos últimos tempos, não sei se por conta da internet, se faz muito mais poesia que há 20 anos atrás! Por outro lado, se a quantidade aumentou a QUALIDADE fica a desejar!
ResponderExcluirNa literatura, e me refiro à publicada em livros (de verdade) me parece que melhora, ao contrário da poesia! E assim caminha a humanidade! Mas posso estar errado. Como o objetivo era criar polêmica, dou minha contribuição!
Eduardo,
ResponderExcluirEu concordo com você. A produção de obras de ficção tem sido grande e de muita qualidade. Não tenho acompanhado muito a publicação de poesia (que eu gosto muito), mas o que vejo na internet não me empolga tanto. Existem alguns trabalhos interessantes, experiências de linguagem que vale a pena acompanhar. Mas sinto falta de obras que reflitam esses tempos que vivemos.
Sempre que acho algum poeta interessante eu comento, porque acho importante valorizar quem se dedica a esse ramo da literatura, cujo espaço é tão pequeno.
abração
Gosto desse poema da Alice San'Anna, do blog Pra Não ficar na Gaveta:
ResponderExcluirtrem noturno
gal canta nesse trem noturno que sai de veneza para uma noite quente de verão. nós três rimos muito na cabine e nos assustamos quando o vagão pára em uma estação erma, sem gente nos bancos, sem despedidas, o olhar duro do fiscal que dorme sozinho toda noite, o fiscal em sua cabine, sem casa ou mulher, espécie de marinheiro que não embarca em navio algum, que não fica a sós com horizonte algum, mas muito pior, esse fiscal que não pode se perder, está bem firme nos trilhos, em sua rota veneza-budapeste, que se estende por treze horas sem tirar ou pôr, o fiscal que nos recomenda a trancar as três fechaduras da cabine, primeiro a de cima e em seguida a do meio, e nós achamos graça de tudo porque ninguém nos levou à estação ou nos espera na plataforma, não conhecemos absolutamente ninguém por essas bandas e por isso mesmo tudo é tão assustador e leve ao mesmo tempo, esse papel com frases em húngaro, algum comando incompreensível que não vamos seguir, as três com os olhos bem abertos fingindo para as outras que estão em sono profundo, quando na verdade as idéias dançam e trocam a ordem dos móveis na cabeça, se bem que provavelmente o único que dorme em todo o trem deve ser o fiscal, ou nem ele, duro que é, talvez prefira fantasiar com ondas gigantes, maremotos.