quinta-feira

o cão vermelho

Quando era criança tive cachorros, agora tenho gatos. Mas nunca deixei de simpatizar com os caninos, principalmente depois de ler Jack London e de observar nas ruas os cães que seguem seus donos sem teto e se esquentam em baixo de alguma marquise, no chão forrado com papelão. Eles sabem que o homem enfrenta dificuldades e por isso dividem seu espaço e até sua comida com ele.

Mas nunca havia visto um cão revolucionário, como Lukanikos, o vira-lata grego que acompanha os manifestantes em seus protestos contra a crise econômica do país e enfrenta a polícia sem medo. Os manifestantes se protegem com lenços molhados e máscaras contra gás, mas Luka vai com o focinho e a coragem. Já vi por aqui labradores, com um lenço com a estampa de Che Guevara no pescoço, mas não traziam nos olhos aquela chama ardente de clamor por justiça e solidariedade, como vemos em Lukanikos. Mais pareciam ex-comunistas gordos atracados em algum bom cargo público, como navios com o casco enferrujado e que nunca mais voltarão ao mar.

Se eu tivesse um cão, queria que fosse como Luka (já até abreviei seu nome), destemido e amigo dos mais fracos. Na verdade um cão humanista do qual pudesse receber o conforto nos momentos dificeis. Provavelmente não o levaria para passeatas (já respirei minha dose de gás lacrimogêno na juventude), mas ele dividiria comigo a leitura dos jornais. Tenho certeza que latiríamos em concordância nas páginas do noticiário político.

domingo

outra chance para as mães

Esperei o final desse dia chuvoso para falar sobre o tema.

Que falta faz uma mãe, principalmente para filhos edipianos. Quem vai nos dizer que somos os melhores?

Quem levou a mãe hoje para almoçar fora, fez uma má ação, pois os restaurantes estavam cheios, o serviço estava péssimo e elas mereciam ter comido coisa melhor que as bracciolas com macarrão mole.

Então, no ano que vem, para compensar a bola fora de hoje, preparem vocês mesmos o almoço, encham a casa de flores e não desgrudem delas um minuto sequer, para serem merecedores daqueles elogios de que tanto precisamos para atravessar a rua diariamente.

No ano passado foi assim

Você viu o novo filme do Woody Allen?

Fui ver no fim de semana Tudo Pode Dar Certo, de Woody Allen. Deu um sabor especial chegar à bilheteria e pedir: "um ingresso para o filme do Woody Allen" e o funcionário entregar o bilhete para o filme certo. Um homem que estava atrás de mim na fila fez o mesmo pedido. Em outro cinema, tenho quase certeza que o atendente não saberia de qual filme se tratava. Essa é a diferença entre ir ao Unibanco e à LIvraria Cultura ou ir a um multiplex da vida e a uma livraria comum.

Gostei do filme, principalmente dos diálogos saborosos e extremamente rápidos. Estava com o Mário Viana e ele fez um comentário que, pensando bem, resume o filme: "Esse é um roteiro antigo do Woody Allen". Nada a ver com a fase europeia do diretor, com temas mais elaborados (Match Point) ou completamente alucinados (Vicky Cristina Barcelona).

De certa forma, Tudo Pode dar Certo tem uma pegada à la Annie Hall, com uma linda mulher tontinha por quem é muito fácil se apaixonar, piadas rápidas e o recurso do personagem falar com a plateia. Está certo que Boris Yellnikoff, o personagem interpretado por Larry David, é uma mala sem alça, em nada lembrando Woody Allen em situações semelhantes. Se Woody interpretasse Boris, não conseguiria ser tão desprezível quanto David. Mas o diretor quer que impliquemos com Boris. Talvez esse seja seu alter ego.

O filme parece realmente antigo e até algumas das referências são datadas, da época em que Allen ainda filmava em Nova York. Mesmo assim, o filme tem momentos muito engraçados. Mesmo sendo um filme menor do diretor é muito melhor que muitos avatares da vida. É o tipo de filme para comentar com os amigos, relembrar as piadas e tentar não esquecê-las no dia seguinte. Na segunda-feira de manhã, antes de ligar o computador para começar o trabalho, você pode dizer aos colegas do escritório: "fui ver o último filme de Woody Allen". E todo mundo vai se interessar para saber dos detalhes e ninguém vai querer perder a chance de assisti-lo. E isso renderá assunto para muitos dias seguidos. Quando Fellini era vivo, era a mesma coisa.