sexta-feira

Corpo e alma

Não há como ficar indiferente a Vanessa da Mata. Sua figura sorridente, seus vestidos coloridos que parecem ter sido criados pelo estilista de Wong- Kar Wai (incorporado por Frida Khalo), sua voz de timbre agradável, seus versos curiosos, bem humorados, ternos. E os cabelos? Me perdoem as santas Gal e  Clara, mas que cabeleira é aquela?

Ontem no Sesc Pompeia ela começou uma rápida temporada de shows que terminam neste fim de semana. Como a vida é breve, eu estava lá para embebedar a alma de imagens e sons que me podem ser imprescindíveis no futuro.Se um dia os neurônios insistirem em apagar minhas melhores recordações, que eles tenham muito trabalho para escolher o que vai ficar preservado. Num cantinho tem que ficar alguma coisa de Miles Davis (nem que seja apenas "So What"), de Tom Jobim ("Águas de Março", "Wave"?), de Nelson Cavaquinho... Mas também tem que ficar um tico de Vanessa. Nem que seja essa cabeleira.

O dia em que Woody Allen virou pão de queijo

Nos anos 80 ou final dos 70, quando a criatividade rolava solta na redação do Jornal da Tarde, um copy deu o seguinte título para uma matéria sobre o sucesso de uma nova loja de pães de queijos, que hoje é uma franquia famosa: "De repente, filas para comprar pão de queijo". Os jornalistas que conhecem a história adotaram essa expressão para se refererir a qualquer coisa de sucesso de público. Pois não é que de repente as pessoas fazem filas para ver um filme de Woody Allen?

Meia-noite em Paris virou mania em São Paulo e foi visto por pessoas que amam Woddy Allen, pesssoas que o odeiam e pessoas que não sabem de quem se trata, mas ouviram falar que o filme é maravilhoso e "precisa" ser visto. Até quem foi ver outro filme e se arrependeu da escolha acaba dando a mão à palmatória: "Por que não fui ver o filme do Woody Allen?"

O filme estreou há várias semanas e ainda lota as sessões, principalmente nos fins de semana, nos horários nobres (entre 18 e 22 horas), quando ir ao cinema é o início ou o encerramento de um bom programa de fim de semana.

Dá gosto ouvir a plateia cair na gargalhada com uma piada envolvendo a testosterona exacerbada de Hemingway ou a obsessão de Salvador Dalí com rinocerontes. Ao aconselhar um colega de trabalho a ver o filme, o amigo fez uma ressalva: "Se você conhecer os personagens reais vai se divertir mais ainda". É a pura verdade.

Quem dedicou algumas horas de seu tempo para ler obras de Hemingway, Fitzgerald e T.S. Elliot, ver filmes de Luis Buñuel e contemplar quadros de Picasso e Dali ou ouvir canções de Cole Porter, certamente se divertirá mais. Que sirva de lição para o futuro: leia bons romances e poemas, acompanhe exposições de arte, ouça muito jazz porque, quem sabe, você precisará dessa experiência no futuro para poder dar boas risadas no cinema. Pelo menos, fica a sensação de que o tempo não foi perdido e a televisão desligada não fez falta alguma.

som e fúria

Coloquei na parte de cima do blog um gadget com vídeos do Youtube com jazzistas bons de bola (o que talvez seja uma redundância). É uma pausa musical de qualidade quando o texto está ausente ou quando ele é tão fraquinho, que se envergonha de dar as caras.

Como o programa busca os vídeos aleatoriamente, seguindo palavras chaves (No caso o nome de músicos), é possível que os vídeos se renovem com frequência. Hoje, por exemplo, entraram alguns com músicas do álbum Kind of Blue, do Miles Davis, que completou 50 anos e é de uma beleza sublime. Mas outros músicos aparecerão por aqui porque eu vou ampliar o repertório do blog. Para quem gosta de ler e ouvir boa música de fundo, é uma trilha sonora privilegiada. O difícil é colocar letrinhas que sejam boas companheiras.

quinta-feira

atração pelo abismo

Tenho verdadeira atração por filmes ruins. Vi Fúria Sobre Rodas e posso garantir: o filme é impagavelmente ruim. Isso não me impediu de prever que seria o campeão de bilheteria no fim de semana de estreia no Brasil. Como também acredito que o fato de ter estourado a boca do balão não significa que todas as 140 mil pessoas que o assistiram gostaram do que viram na tela.
No Brasil, filmes de ação (sejam bons ou ruins) sempre rendem bilheteria. Conheço gente que sai do cinema reconhecendo que o filme é ruim de doer, mas não se lamenta de ter perdido quase duas horas de seu tempo e ter ficado uns 20 reais mais pobre. Parece que o desafio de suportar bravamente roteiros medíocres, atuações pavorosas e cenários toscos é uma espécie de sacríficio a que é obrigada a se submeter. Como se estivesse pagando algum pecado ou tivesse feito algo inominável na encarnação pregressa.

Vou além na minha análise: ver filme ruim é uma espécie de Nosso Lar (filme também horrível) desse suposto pecador. Ou seja, é aquele pântano que ele tem de chafurdar antes de alcançar o aprimoramento pleno de sua alma. Por desenvolvimento espiritual pleno, entenda-se estar pronto para ver filmes de Bergman, Truffaut, Kurosawa, Nelson Pereira dos Santos.

Sei que o sofrimento é grande, mas se esse é o preço para se estar pronto para receber a iluminação de espíritos cinematográficos de grandeza, acho que vale a pena.

No meu caso, que sonho um dia chegar ao Nosso Bar e não ao Nosso Lar, assistir filme ruim é uma espécie de esporte grotesco, como jogar futebol com bola furada ou rebater bola de tênis com raquete quebrada. É um desafio de superação. Estou testando até onde posso aguentar sem correr risco cerebral grave e permanente.

E Nicolas Cage tem sido um companheiro insuperável. Ela nunca me decepciona: tenho certeza de que o próximo filme dele será sempre o pior.

conto de fadas


De lobo mau a bom velhinho. (foto de Joel Silva/Folha de S. Paulo)

quarta-feira

escritores ou inscritores

Luís Antônio Giron é um ótimo jornalista e escritor. Grande conhecedor de música clássica e popular, escreveu uma bela biografia sobre Mário Reis (Mário Reis - o fino do samba). Às vezes o encontro em cabines de cinema (sessões de filmes para críticos e jornalistas) e concertos. Gosta de uma polêmica e não teme emitir sua opinião. Mas, ao contrário de tantos "colunistas" polêmicos que hoje campeiam pelas páginas dos jornais e revistas, seus artigos sempre tem substância. Valem a pena ser lidos e discutidos.

Ontem, no site da revista época, ele tocou num vespeiro: os critérios dos concursos literários brasileiros que premiam sempre as mesmas pessoas, deixando de reconhecer os novos talentos. Recomendo a leitura.

Escritores ou inscritores?