segunda-feira

o país mais triste do mundo

Nossas mães sempre nos disseram que o dinheiro não compra a felicidade, mas nós nunca acreditamos. Talvez a descrença tenha origem ao cair por terra a famosa lenda materna de que a mistura de leite com manga é uma composição química letal, como juntar corintianos e palmeirenses no mesmo estádio de futebol. Mas, no caso do dinheiro, acredito que elas estavam certas.

Eu conheci um povo infeliz, apesar do privilégio de viver num país tecnologicamente avançado, onde a pobreza foi superada há várias gerações. Na verdade, esse povo não chega a ser propriamente um povo, pois é formado por vários tipos étnicos que vivem no mesmo território, mas praticamente não se misturam. Hindús, malaios, chineses, americanos e europeus por algum motivo decidiram viver ou passar alguns anos de suas vidas em Cingapura e lá continuam apesar de serem observados permanentemente por câmeras de segurança e se sentirem sempre culpados de estarem fazendo algo errado. Entrou num banheiro público e não deu descarga? Jogou a bituca do cigarro na rua? Se for flagrado, pode ser processado e multado. Quer mascar chiclete?, pegue seu passaporte e vá para outro país.

Lembrei de Cingapura, um antigo porto de piratas, nos últimos dias ao observar que alguns bares de São Paulo (na verdade betequins) colocaram na calçada cinzeiros improvisados (caixas de madeira ou latas) para que seus frequentadores, que não podem mais fumar no recinto fechado, possam jogar as pontas de cigarro quando saem para fumar na rua. Estive em Cingapura uma vez, a trabalho, e confirmei muitas das histórias que eram contadas em tom folclórico. Nesse país, obcecado pela higiene e limpeza, fiscais e câmeras vigiam os cidadadãos e os turistas o tempo todo. Nas ruas, junto às floreiras, cinzeiros gigantescos foram colocados para que os cidadãos apaguem seus cigarros. Os radares que flagram os motoristas cometendo alguma infração de trânsito, já emitem as multas que caem direto na conta bancária do cidadão. Em caso de infrações mais graves, açoite com uma vara.

Cingapura é um dos tigres asiáticos e cresceu nas últimas décadas com sua eficiência e alta tecnologia. Atraiu uma multidão de imigrantes que concordou em abrir mão de sua individualidade e privacidade para ganhar dinheiro. Conversei com uma italiana, gerente de um grande hotel, e ela me disse que não via a hora de voltar à confusa e maluca Itália. Só estava ali por dinheiro, mas não era feliz. Não tinha amigos. As pessoas só conviviam no ambiente de trabalho.

Quando estive em Cingapura, na inauguração de um vôo que tinha como destino final a África do Sul (nas vésperas da eleição de Nelson Mandela), um adolescente inglês (ou americano, não me lembro direito) estava preso e seria açoitado por ter pichado alguns automóveis estacionados numa rua. Seus pais, que não viviam no país, pediam clemência à Corte. O prefeito de Washington, por sua vez, bateu palmas e disse que a medida seria extremamente didática em sua cidade, vítima dos vândalos do spray. Cheguei a enviar algumas reportagens de lá sobre o assunto.

Foi o país mais limpo e organizado que eu já conheci, mas foi onde me senti mais inseguro. Toda a beleza à minha volta era artificial, construída com ajuda de alta tecnologia. Depois de conversar com a gerente do hotel, passei a prestar mais atenção às pessoas que encontrava na rua e pude perceber que elas eram realmente tristes, não sorriam nunca.

Hoje Cingapura voltou ao noticiário porque começa a sair lentamente da crise financeira internacional que golpeou fortemente os tigres asiáticos. Triste tigre que ainda está sem forças para rugir. E sorrir.

3 comentários:

  1. Ainda assim me pergunto, será o mais triste do mundo? Ou é só um título, e uma forma de atrair leitores?

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  2. Eduardo,

    Dos países que eu conheci acho que é realmente o mais triste. Não vi uma pessoa andando com um cachorro na rua. Não vi pessoas abraçadas. Fiquei com essa impressão. Me marcou muito o contraste riqueza x felicidade. Acho que uma sociedade tão repressora inibe as pessoas. Estão sempre com medo de cruzar alguma linha invisível.... Foi o único país que visitei que não tenho vontade de voltar.

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  3. Luiz,

    Lendo o seu texto fiz uma associação. Na verdade, o mesmo sentimento de tristeza que você viu no semblante dos cidadãos de Cingapura, eu vejo nas pessoas - essas que saem nas revistas e colunas sociais – que freqüentam o chamado “mundo dos bem-nascidos”, onde o ser humano vale quanto ‘pesa’ o seu bolso. Triste tempo, esse que vivemos agora, de olhares vazios, sorrisos abortados e mãos inertes! Uma visita aos hospitais, abrigos e asilos, talvez lhes devolvessem o sorriso e a alegria de viver.

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