segunda-feira

uma promessa de vida



Meu LP Elis& Tom, lançado em 1974, chia mais que uma cafeteira italiana e a agulha dá saltos dignos de Baryshnikov. Segundo uma pesquisa feita nos Estados Unidos, décadas atrás, "Águas de Março" foi considerada uma das 10 melhores músicas de todos os tempos. E essa versão, interpretada pelos dois (durante as gravações, no estúdio americano)foi a que acabou imortalizada. Os dois cantam com uma alegria irresponsável de criança. No finalzinho, Elis aparece com um cigarro entre os dedos, que deve ter filado de alguém no estúdio, e a fumaça dança entre os dois.

Tom, que sempre teve excelentes letristas como parceiros, como Vinicius, aqui mostra que também sabia trabalhar com as palavras. Lembrei da música hoje, durante uma chuva forte que caiu em São Paulo, com as águas de setembro abrindo a primavera, que costuma ser a estação de nossas flores aquáticas. Ah, hoje já tenho o CD que não tem os inconvenientes do LP, mas cujo som não se compara ao original, dizem os especialistas. Eu não entendo dessas questões técnicas, mas as vezes eu coloco o disco velho, para tentar voltar no tempo, mesmo com os chiados e os pulos da agulha.

Joana francesa



Nara Leão canta ao violão a música tema de Joana Francesa, composta por Chico Buarque para o belo filme de Cacá Diegues, com Jeanne Moreau, que foi homenageada pelo Festival do Rio.

Esse é meu primeiro post com conteúdo do youtube. Sempre que encontrar algo legal quero postar aqui, também no contexto de uma viagem musical e afetiva. Tirando as bobagens de sempre, o youtube tem um acervo com imagens e músicas preciosas, como essa apresentação de Nara.

Gosto dos versos em português misturados aos versos em francês. Um verso começa em português e termina em francês e vice-versa. Ou mesmo a brincadeira com o som das palavras nas duas línguas: accord e acorda, o mar maré bateau que lembra "o mar me arrebatou", dependendo do sotaque de quem canta. Coisas de Chico Buarque.

domingo

[entender a natureza humana]

"Na minha vida, todos os filmes, mesmo os que não foram bem-sucedidos, construíram quem eu sou, não só a atriz, mas principalmente a mulher. Minha vida toda é dedicada à tentativa de descobrir a natureza humana. Temos uma vida que nos é dada e precisamos fazer alguma coisa com ela. Não só ganhar dinheiro, casar, ter filhos, ficar velhos e morrer sem entender porque estamos neste mundo. Temos que buscar respostas. E eu sempre tive uma enorme curiosidade em relação à vida. Tenho certeza que morrerei sem ter entendido a natureza humana, mas não vou deixar de tentar."

Jeanne Moreau esteve no fim de semana no Rio, convidada do festival de cinema que agita a cidade, e concedeu várias entrevistas. Tirei a declaração de uma entrevista que ela concedeu à Folha de S. Paulo na sexta-feira. No texto, o repórter praticamente se desculpou ao afirmar que conseguiu ficar apenas 40 minutos com a atriz, devido a sua agenda apertada. Mesmo assim, a rápida entrevista traz reflexões importantes de uma atriz madura que, aos 81 anos, ainda nos faz lembrar de filmes inesquecíveis, como "Jules e Jim", de François Truffaut, e "Joana Francesa", de Cacá Diegues, que ela filmou no Brasil, com trilha sonora de Chico Buarque.

"Orson [Welles] me dizia que ser ator é como ter nascido em um trem que ficará rodando por décadas sem parar. E você precisa ter todo o necessário em uma mala. Guarde nessa mala sua história, ideias, emoções. Não deixe nada para trás. E você a usa quando o personagem pede.
Quando tenho que retratar um ser humano nascido da imaginação, estou a serviço não só do diretor mas dessa pessoa à qual entreguei minha carne, meu rosto, minha voz. Me entrego completamente para criar algo novo, que tem tudo de mim, mas que não se parece comigo.
E, quando acabo um filme, me separo totalmente do personagem. Algumas vezes nem vejo os filmes prontos. Porque já vi o filme de perto demais."



quinta-feira

quando o homem acabar, o gato vai voar

Enferrujada, a Torre Eiffel vai tombar depois que os homens que cuidam de sua manutenção tiverem virado pó.

Não, esse não é o título de um texto de cordel. É uma história de ficção científica contada por diversos especialistas que tentam provar que de ficção ela não tem nada. O que aconteceria com a humanidade se um dia a raça humana se extinguísse? O History Channel reuniu especialistas de diversas áreas da ciência e propôs essa questão. Na semana passada assisti ao primeiro documentário da série, que continuará nas próximas semanas (hoje, 17/9, às 22 horas, será transmitido o segundo filme). Fiquei muito impressionado com os relatos dos cientistas e a incrível simulação gráfica de como ficaria o mundo com a hipotética extinção da humanidade. O que aconteceria com os prédios, as grandes obras de engenharia, os livros, os filmes, as máquinas, a natureza, os animais? As hipóteses levantadas pelos estudiosos são fascinantes e levam a uma resposta praticamente unânime: a Terra, sem o homem, será um planeta muito melhor: os peixes e as baleias voltarão a povoar os oceanos, os rios se libertarão das tubulações em que estão aprisionados sob as cidades, as florestas se recomporão e... os gatos vão voar!!
A explicação para uma possível mutação genética nos gatos é muito interessante: Com o fim do homem, os edifícios virarão esqueletos e servirão de moradia para os gatos que voltarão a caçar ratos e outros pequenos roedores, mas acabarão não retornando a parte baixa das edificações, pois correriam perigo de vida ao serem caçados pelos cães, que se lembrarão que um dia foram lobos. Por isso os gatos pularão de prédio em prédio e acabarão desenvolvendo alguma espécie de elasticidade no corpo que permitiria que planassem, como pequenas asas-delta peludas. Claro que meu gato não conseguiria, pois com o tamanho de sua barriga, se esborracharia imediatamente e desmoralizaria os cientistas.
A grande questão em discussão é que, com exceção das pirâmidades, talvez não sobre nada que comprove nesse futuro imaginado que um dia o homem pisou na terra. Os livros, as obras de arte, as invenções, as máquinas, vão se decompor depois de centenas e até milhares de anos. Recomendo o programa com um entusiasmo de criança.


O site da Net traz a seguinte sinopse do programa de hoje:

"Neste episódio, estudaremos o que ocorreria com os corpos que a humanidade deixaria para trás. A maioria está embalsamada e enterrada, mas outros estão mumificados e congelados criogenicamente. As pirâmides talvez existam para sempre. As cidades vão desaparecer. Nossas maiores obras primas vão desmoronar e desaparecer. E nossas garrafas de plástico formarão enormes ilhas flutuantes vagando pelos oceanos por milênios. O Mundo Sem Ninguém leva em conta a redução total do nosso impacto: o desaparecimento do ser humano. A intrigante noção do futuro pós-humano do nosso planeta (um exercício de imaginação fascinante explorado por cientistas e estudiosos) é exaustivamente explorado nesse especial do The History Channel através de um vívido imaginário e cativante computação gráfica. Viaje com O Mundo Sem Ninguém a lugares ao redor do mundo já enfrentando esse processo. Ficaremos impressionados pelas mudanças ocorridas depois de apenas algumas décadas na fantasmagórica cidade de Chernobyl, abandonada em 1986, e nas cidades costeiras do Maine. Essa produção acelera o relógio através de séculos no futuro para mostrar uma Terra sem os humanos. Especialistas em engenharia, botânica, ecologia, biologia, geologia, climatologia e geologia fornecem respostas a muitas perguntas provocativas. O que aconteceria com a Terra se os humanos desaparecessem? Todas as nossas obras desapareceriam do planeta? Quanto tempo isso levaria? As espécies ameaçadas de extinção prosperarão ou a exterminação continuará pacificamente? Não é o nosso futuro. É o futuro do planeta."

segunda-feira

o país mais triste do mundo

Nossas mães sempre nos disseram que o dinheiro não compra a felicidade, mas nós nunca acreditamos. Talvez a descrença tenha origem ao cair por terra a famosa lenda materna de que a mistura de leite com manga é uma composição química letal, como juntar corintianos e palmeirenses no mesmo estádio de futebol. Mas, no caso do dinheiro, acredito que elas estavam certas.

Eu conheci um povo infeliz, apesar do privilégio de viver num país tecnologicamente avançado, onde a pobreza foi superada há várias gerações. Na verdade, esse povo não chega a ser propriamente um povo, pois é formado por vários tipos étnicos que vivem no mesmo território, mas praticamente não se misturam. Hindús, malaios, chineses, americanos e europeus por algum motivo decidiram viver ou passar alguns anos de suas vidas em Cingapura e lá continuam apesar de serem observados permanentemente por câmeras de segurança e se sentirem sempre culpados de estarem fazendo algo errado. Entrou num banheiro público e não deu descarga? Jogou a bituca do cigarro na rua? Se for flagrado, pode ser processado e multado. Quer mascar chiclete?, pegue seu passaporte e vá para outro país.

Lembrei de Cingapura, um antigo porto de piratas, nos últimos dias ao observar que alguns bares de São Paulo (na verdade betequins) colocaram na calçada cinzeiros improvisados (caixas de madeira ou latas) para que seus frequentadores, que não podem mais fumar no recinto fechado, possam jogar as pontas de cigarro quando saem para fumar na rua. Estive em Cingapura uma vez, a trabalho, e confirmei muitas das histórias que eram contadas em tom folclórico. Nesse país, obcecado pela higiene e limpeza, fiscais e câmeras vigiam os cidadadãos e os turistas o tempo todo. Nas ruas, junto às floreiras, cinzeiros gigantescos foram colocados para que os cidadãos apaguem seus cigarros. Os radares que flagram os motoristas cometendo alguma infração de trânsito, já emitem as multas que caem direto na conta bancária do cidadão. Em caso de infrações mais graves, açoite com uma vara.

Cingapura é um dos tigres asiáticos e cresceu nas últimas décadas com sua eficiência e alta tecnologia. Atraiu uma multidão de imigrantes que concordou em abrir mão de sua individualidade e privacidade para ganhar dinheiro. Conversei com uma italiana, gerente de um grande hotel, e ela me disse que não via a hora de voltar à confusa e maluca Itália. Só estava ali por dinheiro, mas não era feliz. Não tinha amigos. As pessoas só conviviam no ambiente de trabalho.

Quando estive em Cingapura, na inauguração de um vôo que tinha como destino final a África do Sul (nas vésperas da eleição de Nelson Mandela), um adolescente inglês (ou americano, não me lembro direito) estava preso e seria açoitado por ter pichado alguns automóveis estacionados numa rua. Seus pais, que não viviam no país, pediam clemência à Corte. O prefeito de Washington, por sua vez, bateu palmas e disse que a medida seria extremamente didática em sua cidade, vítima dos vândalos do spray. Cheguei a enviar algumas reportagens de lá sobre o assunto.

Foi o país mais limpo e organizado que eu já conheci, mas foi onde me senti mais inseguro. Toda a beleza à minha volta era artificial, construída com ajuda de alta tecnologia. Depois de conversar com a gerente do hotel, passei a prestar mais atenção às pessoas que encontrava na rua e pude perceber que elas eram realmente tristes, não sorriam nunca.

Hoje Cingapura voltou ao noticiário porque começa a sair lentamente da crise financeira internacional que golpeou fortemente os tigres asiáticos. Triste tigre que ainda está sem forças para rugir. E sorrir.

Salve Salve

Quando ele tiver carteira de motorista, abastecerá com gasolina do pré-sal (foto do Blog do Planalto)

Numa postura patriótica, o sol bateu continência hoje no feriado de 7 setembro. Acho que pela primeira vez em mais de 30 anos liguei a televisão para ver o desfile em Brasília. Gostei da cavalaria, dos Dragões da Independência, mas me assustei com uma espécie de divisão equestre da tropa de choque da PM. Todos de negro, pareciam sósias de Darth Veid montados a cavalo.

O desfile acabou de uma forma estranha. O comandante, num tanque de gerra conversível, parou diante da tribuna e falou algo, gesticulando, sem microfone. Lula e Sarkozy balançaram a cabeça em sinal afirmativo, como quem diz, "não entendi nada, mas é melhor não provocar um cara enfezado dentro de um tanque de guerra."

Nos céus, a esquadrilha da fumaça francesa e a brasileira fizeram uma longa demonstração soltando baforadas no ar. Em São Paulo, como se sabe, aviões fumantes são proibidos por lei.

domingo

quintais de uma grande família

Foto de uma cerca mineira, feita por Lena

De Lena, no blog de Luis Nassif:

De mandacaru à taquara rachada, elas faziam divisas apenas pra constar que estavam ali - davam continuidade aos quintais tornando toda a vizinhança numa grande família.

Quintais que uniam Silvas , Souzas, Ferreiras, Teixeiras, Nogueiras e quem mais adviesse ali.

E a gente… meninos, de todas as cores e todas encardidas e pernas marcadas de cicatrizes, esfoliações que se curavam sozinhas ou a base de mertiolate, saltávamos por entre árvores, fumávamos cigarrinho de talo de chuchu, porque chuchu e pé couve não faltavam em quintal nenhum e ainda fazíamos das folhas das bananeiras gangorras que se projetavam gingantemente ribanceira a baixo

Lembro-me o dia que nessa brincadeira, minha irmã foi sapecada por uma taturana cachorrinha, gritou horas e horas até ser benzida pelo vizinho curandeiro, que alisou uma pedra em cruz com leite acompanhada de rezas, muita reza.