Nunca malhei Judas nem corri atrás de balão, as duas atividades mais pirotécnicas que os meninos de minha idade executavam com entusiasmo e sadismo (no caso da malhação a Judas) no bairro onde morava. O máximo que fazia era ajudar um baloeiro bem mais velho e segurar uma das pontas dos imensos balões que ele preparava para soltar nas festas de São João. Balão caixa, balão mixirica, balão charuto. Cada menino segurava numa ponta e aguardava, pacientemente, o balão se encher de ar quente e subir praticamente sozinho na noite escura, piscando como um disco voador de subúrbio. O máximo de chocolate que eu conhecia e apreciava eram os cigarrinhos da Pan que imitavam os verdadeiros. O menino negro na embalagem já deve ter uns 90 anos de idade. Os dias da Paixão eram dias tristes, sem brincadeiras na rua, de silêncio quase absoluto em casa. Os meninos se sentiam culpados pela morte de Jesus e por isso eram tão violentos quando desforravam no boneco de pano sua raiva à traição cometida por Judas. Como o traidor apanhava em nossa rua! Acabava desmembrado e degolado, com queimaduras de primeiro grau. Minha mãe tinha medo que eu me machucasse e não me deixava participar daquela catarse infantil coletiva. Nunca dei nem um croque no Judas.
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