[domingo foi dia de feira, comunico com um dia de atraso. Nas barracas, frutas, verduras e legumes enfileirados formavam um painel colorido e brilhante. Inspiração para telas de natureza morta. Para mim, é natureza viva, pulsante. Um menino passa com o pai pela barraca de ovos (brancos e avermelhados) e o pai ensina: "os pássaros são ovíparos porque botam ovos". Não sei como a aula começou, nem como prosseguiu, pois eu continuei andando para fazer minhas compras. Quando eu era criança, minha mãe criava patos e galinhas. Gemada era com ovo de pata, mais forte; o gosto acentuado se perdia na mistura com o açúcar, a canela e o leite. Mais que os antibióticos que tomava diariamente, acho que foram as gemadas que me salvaram. Pelo menos era o que minha mãe dizia. E eu sempre acreditei nela.
Na feira de domingo comprei tomates do tipo italiano, grandes, vermelhos, doces. Seguindo a lei de Lavoisier, serão transformados em suculento molho para o macarrão e a carne dos próximos dias, em substituição aos molhos enlatados e ecologicamente incorretos. Nas barracas, uma aula de genética a céu aberto. Os pimentões que na minha infância eram apenas verdes e vermelhos, agora são amarelos e roxos, ou misturados com essas cores, parecendo um dálmata do reino vegetal. Aprendi em algum domingo longínquo que a revolução genética começa sempre nas barracas dos feirantes japoneses. Lá estão legumes e verduras alterados pelas mãos humanas: ganham cores, formatos, dimensões e sabores diferentes, como se tivessem sido trazidos de terras exóticas. Mas são todas cultivadas aqui, no cinturão verde que circunda São Paulo, aberto pelas enxadas dos imigrantes orientais e europeus.
A feira também é parte da aula sobre a geografia humana brasileira. Ao lado das barracas dos descendentes dos imigrantes estrangeiros que alimentaram suas famílias vendendo produtos na feira, estão as dos migrantes nordestinos, nos ensinando o sabor de algumas frutas que antes só eles conheciam: siriguela, sapoti, pequi (com seus espinhos internos e traiçoeiros, mas de gosto refinado para a culinária do Norte).
A feira também é parte da aula sobre a geografia humana brasileira. Ao lado das barracas dos descendentes dos imigrantes estrangeiros que alimentaram suas famílias vendendo produtos na feira, estão as dos migrantes nordestinos, nos ensinando o sabor de algumas frutas que antes só eles conheciam: siriguela, sapoti, pequi (com seus espinhos internos e traiçoeiros, mas de gosto refinado para a culinária do Norte).
Tempos atrás, um governante burocrata que nunca deve ter colocado os pés numa feira criou uma lei para calar os feirantes, impedindo-os de apregoar seus produtos. Fui testemunha de uma verdadeira rebelião civil, armada apenas com o oxigênio dos pulmões, com os feirantes e seus filhos bradando a qualidade de seus produtos. A feira virou uma verdadeira torre de babel. Mesmo com todos falando a mesma língua, os sotaques se misturavam e nenhuma voz se distinguia, ao contrário, as vozes se misturavam num tempero tropical para qualquer prato doce ou salgado. Os feirantes ganharam no grito e o governante, envergonhado, rasgou o texto de sua lei que, se tivesse sido impressa em papel jornal, serviria para embrulhar pencas de bananas. Nada se perde, tudo se transforma.]
Oi
ResponderExcluirGosto de ler seus textos.
As vezes vou a feira e me divito muito com as coisas que vejo por lá.
A alegria dos feirantes, o entusiasmo com que anunciam seus produtos e as conversas entre eles é muito engraçada.
Uma civilização a parte.
Abraços
Miriam
já experimentou ir de madrugada nos arredores do mercado municipal, onde vendem as mercadorias pra feira? experiência hilária. abraços.
ResponderExcluirOi Lucas,
ResponderExcluirLucas,
Nunca fui nos arredores do Mercadão de madrugada, mas acredito que deva ser muito interessante. O Plínio Marcos uma vez fez uma reportagem para a extinta revista Realidade (de saudosa memória)lá, contando a rotina desses trabalhadores. Bons tempos em que Plínio Marcos fazia reportagens nas quebradas da vida, como ele dizia.
Mas já fui ao Ceasa de madrugada e acho que deve ser parecido.
Obrigado pela visita!!
Abraço
Adoro ir à feira. Encanto-me com a arrumação das barracas, com o brilho das frutas. Os tons de verde que nãoa cabam nunca! Adoro o burburinho, os gritos dos vendedores... adoro poder comprar os produtos frescos para a semana. Costume medieval e acirrado pelos escravos que deve ser mantido como tradição. Atrapalha o trânsito e suja a rua, mas é bom demais! Lindo texto. Elza
ResponderExcluirMuito gostoso seu texto!
ResponderExcluircomo citou Lavoisier, realmente é verdade, nada se perde, tudo se transforma...no prazer da leitura fluída!
Parabéns! Sulamita
Elza e Sulamita,
ResponderExcluirObrigado pela visita à minha barraca de hortifrutilivros....