- Foda-se.
O palavrão saiu de sua boca sem o ponto de exclamação. Não soou como ofensa; não continha nenhuma obscenidade e não chocou quem o ouviu. Também não ostentou um tipo de exibicionismo que, na boca de algumas mulheres, é sinônimo de vulgaridade. Seus olhinhos claros brilhavam, fitando o interlocutor no fundo da alma, e seus lábios rosados abriam-se ligeiramente, quase num sussurro. Ela poderia estar no púlpito de uma igreja e o palavrão passaria despercebido nas notas do canto gregoriano. Os santos não se ofenderiam, o padre lhe estenderia a hóstia.
Ela tinha o dom de paralisar quem estivesse ao alcance de seu olhar. Não era apenas por sua beleza. Difícil explicar, porque ela era uma mulher normal, nem magra nem gorda, de mãos macias e dedos longos, finalizados por unhas curtas e rosadas. Mas era decidida: opinava como uma mulher madura, apesar de ter apenas 25 anos. Era firme em seus argumentos, mas doce ao enunciá-los. Por isso, os palavrões que compunham suas frases não chocavam. Faziam parte de um contexto que, bem analisado, perdia completamente seu sentido original. Sumiam no meio da frase sem deixar vazios; como se fossem uma vírgula, uma reticência.
Como exemplo, ouçamos sua frase inteira:
– Não quero me preocupar tanto assim com esse cara. Foda-se.
O sujeito certamente ouviu a frase até a palavra cara porque estava tão ocupado em seguir os movimentos de seus lábios, pingando palavras como suco de fruta mordida, que nem tropeçou no palavrão. Ou então o traduziu automaticamente por “isso não importa”.
Impossível desviar os olhos de seu rosto, não tentar contar as sardas que salpicam cada maçã de sua face, pouco abaixo dos olhos e antes de chegar ao nariz, altivo como o de um atleta que sabe de antemão que a prova já está ganha. A seu favor, claro.
E, prosseguindo a conversa, convicta de que o mundo está parado naquele breve instante, ela emoldura a frase seguinte com um caralho, firme, mas que ecoa quase como um lamento; é o reconhecimento de um momento de fraqueza, de rara desvantagem.
Quem a ouve se apieda. Ela, analisa o ouvinte, é frágil e dá sinais de que necessita e busca proteção. Também nesse momento, o palavrão foi a senha para despertar no outro sentimentos quase paternais, se não pairasse no ar aquele perfume que ela libertou dos cabelos depois de passar os dedos pelos fios longos e castanhos, puxando-os levemente para trás.
“Porra, como ela é bonita”, pensa o homem, que, imediatamente, estremece e não consegue esconder o rubor que lhe escala o pescoço e aquece o rosto, dando conta de que deixou um palavrão se materializar entre os dois. E se envergonha de ter pensamentos tão chulos na presença dela.
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