sexta-feira

neblina parnasiana

São Paulo em dia de Rimini, sem a praia fria e sem Fellini.

São Paulo amanheceu nesta sexta-feira como o set de Amarcord, de Fellini, coberta por uma neblina pesada que permitia a visão de apenas alguns palmos à frente do nariz. Ao abrir as cortinas do quarto, às 6 horas da manhã, vi apenas alguns galhos das árvores do jardim furando uma nuvem densa de algodão doce. Segui os antigos conselhos de minha mãe e não me agasalhei muito. Apesar do frio curitibano, sabia que em menos de uma hora o sol surgiria forte e dissiparia o nevoeiro. Quando liguei o computador, vi a notícia de que os aviões estavam colados nas pistas dos aeroportos paulistas. Os pilotos, seguindo orientação das torres de controle, esperavam a ordem para decolar. Mas, mesmo sem essas ordens, bastava telefonar para suas mães para saber que o sol logo derreteria a serração. Na minha infância, neblina era serração e gripe era resfriado. Nos anos 60, quando eu ia para a escola chutando pedras com meu Vulcabrás de bico desbotado, o caminho era todo fechado pela neblina matinal. No intervalo do recreio, quando sol já estava forte, surgia uma bola e durante uns 30 minutos nos aquecíamos com um jogo rápido e às vezes violento no páteo. Ao som da campainha, voltávamos para a sala de aula, suados e eventualmente sangrando. Mas não era nada que motivasse preocupações maiores.

Na verdade, olhando para trás e forçando um pouco a memória, éramos quase invisiveis para os professores. Lembro do professor de português, no terceiro ano do ginásio, que lia poemas de Raimundo Corrêa, enquanto dava baforadas num cigarro espetado numa piteira preta. Não lembro se ele jogava as guimbas no chão ou se apagava o cigarro num cinzeiro. Pobre professor, hoje teria seu diploma cassado e não poderia mais lecionar em São Paulo. Perseguido só por ser parnasiano.

5 comentários:

  1. A terra da garôa esta cada dia mais parecida com Londres! E só quem tem memória e passado, pode enteder o que é nostalgia!

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  2. Curitiba tem um clima meio sincronisado ao de São Paulo, uns quatro graus menos.
    A bruma aqui desceu antes mesmo da luz da manhã. O escuro, com aquela cortina muito densa, me escondia a torre do relógio do Itaú que me fornecer também a temperatura.
    E o sol rachou tb por aqui.

    bj, Lina

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  3. Essas neblinas me lembram minha infância. SP era a Sp da Garoa e da neblina. E era também muito fria. Estou pensando muito no passado. Na verdade estou trabalhando com a questão da memória para um outro projeto meu, que espero transformar em livro, mas que ainda vai demorar...
    abração

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  4. Lina,

    Há uns dois anos eu estive em Curitiba e, pela manhã, estava um dia de forte neblina e muito frio. Eu estava hospedado perto do Museu Niemeyer e aproveitei o amanhecer para dar uma caminhada.... Eu batia o queixo de tanto frio.... Nossa. Estive duas vezes em Curitiba, em épocas e estações diferentes e sempre estava frio... Vocês sofrem muito...
    beijos

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  5. Enquanto observo o tempo passar e a efemeridade comandar o cenário tornando o nosso cotidiano em fumaça, faço uma viagem ao passado e de lá, trago lembranças que me alimentam... Não esqueço os benefícios do progresso, mas que eu era mais feliz, isso é uma verdade. E eu sabia!
    Ah, Luiz, a neblina naquela época, cedia espaço às nuvens de algodão doce das nossas fantasias. Bjs.

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