terça-feira

[agoniza mas não morre?]

[um velho samba de Nelson Sargento diz em um de seus versos mais conhecidos que "o samba agoniza, mas não morre", pois alguém sempre o socorre "na hora do suspiro derradeiro". Quanto ao jornalismo, já não tenho tanta certeza e também não temos tão bons poetas assim na profissão que possam, nesse momento agonizante, trazer uma palavra de alívio, principalmente para quem ainda está nas faculdades de Comunicação ou está prestes a se formar. A decisão do STF em acabar com a regulamentação da profissão de uma penada, com o único e voto contrário do ministro Ayres Brito (que tem tido ultimamente posições coerentes e bem fundamentadas em assuntos polêmicos, como a liberação de células troncos para pesquisas), parecia já uma bola cantada. No jogo de sinuca, bola cantada é aquela em que o jogador diz antecipadamente em que caçapa vai cair. Não existe surpresa.

A regulamentação da profissão, de 1969, começou a cair em 1979 quandos os jornalistas de São Paulo entraram em greve por aumento de salário e foram derrotados. Um reduzido grupo de colegas furou o movimento e passou a morar nas redações para impedir que os jornais deixassem de circular. Um jovem herdeiro de jornal de São Paulo disse a amigos que os jornalistas não eram confiáveis. Com o fim da greve, todos os jornais, rádios e TVs demitiram profissionais em massa.
Até então, uma geração de jovens profissionais, formados pelas faculdades de jornalismo, convivia sem muitos problemas com os jornalistas mais velhos não diplomados, que se formaram na chamada escola da vida, pois vinham de uma época em que não existiam escolas especializadas. Eles eram os modelos de profissionais nos quais nos espelhávamos e muitos deles foram nossos grandes e desinteressados professores. Havia uma efervescência nas redações. Era uma época politicamente muito rica.

O segundo passo contra a regulamentação da profissão e consequentemente pelo fim da obrigatoriedade do diploma, veio a seguir, quando alguns jornais (poucos) passaram a ignorar a regulamentação e passaram a contratar pessoas sem diploma. Para o leitor, passava-se a idéia de que viriam melhores profissionais. Passou-se a exigir que os candidatos a jornalistas tivesse pós-graduação, mestrado, doutorado, em qualquer área. A imprensa começou a flertar mais de perto com o meio acadêmico. Naturalmente, os horários de trabalho em uma redação que chegam a 12 horas por dia de segunda a quinta e mais de 15 horas na sexta-feira (quando começa a ser fechado antecipadamente o jornal de domingo), com jornadas de 14 dias de trabalho sem folga (em média), não permitiam esas veleidades intelectuais.

Quando foi demitido do São Paulo, o técnico Muricy Ramalho disse aos jornalistas: "Vocês não sabem 10% do que acontece dentro de um clube de futebol". Ele riu de um jeito debochado, como é sua marca, mas dava para sentir uma ponta de mágoa. Afinal, ele sofreu calado até ser apunhalado pelas costas. Mas manteve o bico fechado. É do jogo. Quem recebe seu jornal em casa ou o compra numa banca não sabe nem 10% do que acontece dentro de uma redação e que se reflete nas notícias publicadas. Não sabe das listas negras (desculpe o termo politicamente incorreto), das campanhas contra políticos, sindicalistas, atletas, intelectuais, artistas.

E chegamos hoje ao fim da regulamentação da profissão. A vingança é um prato que se come frio, e os donos dos veículos de comunicação foram pacientes. O que vai acontecer daqui para a frente não se sabe. Pode haver uma perseguição contra os jornalistas formados e sua substituição por profissionais de outras áreas; pode ficar mais difícil o acesso dos jornalistas diplomados às redações; pode cair a qualidade dos jornais. Mas, de certo mesmo, houve a derrota de uma categoria profissional que esteve sempre identificada com as grandes lutas do país: contra a ditadura, pela anistia, pelo respeito à cidadania e aos direitos humanos (bandeiras que não eram necessariamente defendidas pelos empresários da comunicação). Os jornalistas que ajudaram a escrever alguns parágrafos da história do país saem de campo e voltam para casa, no meio do campeonato, derrotados. E pior: querem fazer crer que não sabem jogar. ]

16 comentários:

  1. Boa tarde Luíz,

    Não li aínda este post.
    Tive pena que não aparecesse ontem no conto. Gostava que me desse sugestões para melhorá-lo. Se ler este último, talvez apure a crítica. É que, as pessoas que colaboram, têm ume excelente qualidade a escrever que bem conheço, cada qual do seu jeito. Da forma como está concebida, acho que não deixo o talento deles fluir. Onde está o (s) erro(s)????
    Beijinhos e Obrigda
    De Lisboa, com amor
    Lília

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  2. Luiz,

    não me respondeu se vamos nos encontrar dia 27?????
    Quanto ao assunto em pauta, não é o diploma quem faz o Jornalista. Mas o "espirito de classe" não te permitiria defender o contrário. Compreendo.

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  3. Oi Luiz
    Que tristeza tudo isso.
    A indole humana muitas vezes traiçoeira, interesseira...
    E estas canetadas loucas então?
    O que dizer delas?
    Sem palavras.
    Beijocas
    Miriam

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Muito Bom o texto. Seria melhor ainda se mais pessoas tivessem acesso a ele, para entender, através da história, o que de fato significa esta decisão. Tem gente tão alheia que ainda nem sabe do ocorrido. Se formos levar em consideração aqueles que têm consciência do significado... é desanimador.

    É como eu estava discutindo com um amigo meu, só tivemos conhecimento do poderio da imprensa, do estrago que ela pode fazer, quando paramos para estudá-la. Infelizmente as coisas não são tão abertas e claras como alguns crêem, e é por isto que é tão fácil manipular. Como você mesmo ressaltou, "Quem recebe seu jornal em casa ou o compra numa banca não sabe 10% do que acontece dentro de uma redação e que se reflete nas notícias que ele está lendo".

    Fiquei muito chateada quando soube que a Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social (Enecos) se posicionou contra a obrigatoriedade do diploma. Fiquei mais chateada ainda pela justificativa de alguns membros desta. Em meu ver, eles têm uma concepção utópica de que o jornalismo vai melhorar, por agora só entrar na Universidade quem de fato gosta da profissão e tem interesse por estudá-la. Não tenho bola de cristal, mas é fácil identificar o futuro disso tudo. A decisão foi elogiada pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV e pela Associação Nacional de Jornais, que afirmam continuar preferindo profissionais diplomados, e que as coisas, por conseguinte, não vão “mudar”. Alguém então pode me explicar o porque deles terem ficado felizes com a decisão, se “tudo vai continuar como antes”?

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  6. Gostei do Blog. Escrevi a resenha exatamente por ter lido todos os livros do Ítalo Calvino e quis mostrar outra face do autor;))

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  7. Não sou jornalista, na verdade é a minha profissão frustrada. Não cursei justamente porque estavamos na ditadura militar e os meus pais acreditavam que era uma profissão de risco. Imagino os jogos de poder de uma redação e o risco do exercicio do óficio sem uma formação sistematizada, com desenvolvimento da crítica e da reflexão, além da qualidade do texto.

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  8. Bem, se já havia picaretagem com regulamentação, imaginem sem.
    Quem vem de uma geração em que leitura era um hábito regular, habitual, tudo bem. Mas em um geração que só lê bula, sei, não...

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  9. Lilia,
    Fiquei alguns dias fora do blog por outros compromissos. Infelizmente não pude participar do conto coletivo. Mas vou participar dos próximos, vamos combinar.
    bjs
    luiz

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  10. Eduardo,
    Também acho que não é o diploma que faz ojornalista. Mas essa campanha toda dos jornais insistiu na imagem que éramos corporativos. E os jornais são bons em campanha. Como são.
    abração

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  11. Ilana,

    Sei que vc está estudando jornalismo e o fim da regulamentaçao vai atingir você e seus colegas. Ainda é cedo para saber o que vai acontecer. Mas por seu comentário vi que vc é uma pessoa bem consciente de todos os lances desse jogo. Quanto aos estudantes que se posicionaram contra o diploma,vc vai ver como eles logo vao se arrepender. E perceberao como foram ingênuos e se deixaram manipular.

    Bjs

    luiz

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  12. Bea,

    Que bom saber que vc leu todos os livros do Calvino. Eu gosto muiuto do estilo dele. Leio e releio sempre Os Amores Dificeis. O último que li foi O Castelo dos Destinos Cruzados e achei e idéia genial.

    bjs
    luiz

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  13. Tucha,

    O jornalismo sempre exerce um fascínio nos jovens, às vezes por uma idéia romântica a respeito da profissão. Alguns jornalistas já escreveram sobre esses mecanismos de poder no interior das redações. O Mino Carta escreveu um romance chamado O Castelo de Âmbar, que coloca vários personagens e situações verídicas (com nomes trocados, claro). Tenho um amigo que trabalhou num grande jornal em cargo de direção e um dia me disse que se arrependia amargamente por não ter escrito um diário sobre o período em que trabalhou no jornal, pois teria um retrato precioso de uma época e de pessoas que passaram por ali. Às vezes eu sinto a mesma coisa.
    bjs
    luiz

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  14. Lina,

    Você pegou num ponto bom: se existia picaretagem com a regulamentaçãoi imagina sem. Você também trabalhou em redação em Curitiba e conhece nosso ambiente.

    Uma coisa é inegável: com a regulamentação da profissão, houve uma melhora profissional significativa na nossa profissão. Quem leu a biografia do Chateaubriand escrita pelo Fernando Morais viu como era o jornalismo naquela época. Quem ainda não leu, recomendo.

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  15. Luiz,

    referente ao seu comentario de que os grandes jornais fizeram campanha sobre o corporativismo dos jornalistas, foi bom saber. Aqui na Piacaba não chega jornais, e com isso perdi o hábito de le-los.Quando escrevi nos meus diversos comentarios COPERATIVISMO sempre me lembrando das ultimas manifestações dessa "praga", no Congresso Nacional. Os 500 e poucos Deputados e 80 Senadores dão cotidianamente demonstrações dessa prática abominavel.Não importa os crimes de falta de ética, ou similares, todos são invariavelmente absolvidos! Com diploma, ou sem ele!!!! srsr

    Forte abraço

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  16. Luíz,

    Daqui Lília.
    Votos de que estejam bem, em paz, com os seus.

    Olhe, amanhã há conto no arco. Gostava que aparecesse.

    Desta vez , alguém que comece. Acho que envieso os contos ao começá-los...

    Beijinhos,
    Lília

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