segunda-feira

Caem as folhas, os prédios

gosto do outono. Nada a ver com as folhas secas que caem das árvores. Não vejo a estação como metáfora para o renascimento. Gosto da luz do outono. É mais tênue, parece vir filtrada por óculos rayban. O céu é mais azul, a brisa é mais suave. A vida parece mais leve, menos sofrida.
Eu estava na companhia de um amigo fotógrafo para uma entrevista e, antes de entrarmos no prédio, olhei para o céu e comentei com ele: "Gosto dessa luz". Ele estava tirando o equipamento do carro e me acompanhou durante alguns segundos na observação. Ele concordou que o outono fazia bem para as fotos. Quem vive da luz, como ele, precisa estar sempre atento à natureza.

Lembrei da luz de outono, ao sair hoje de casa com o dia nublado. O outono estava temporariamente suspenso. Dia triste, úmido. Um dia sem sombras, sem a profundidade de campo de que gostam os fotógrafos. Não sei porque mas os dias chuvosos são
mais longos, espichados, terminam numa longa agonia. Agonia do dia, ele próprio registrando as marcas do sofrimento da natureza.

Tenho algumas lembranças marcadas por dias nublados e chuvosos, mas são todas lembranças de infância. Vejo a porta da sala aberta, a chuva forte, caindo e formando uma cortina, os relâmpagos, as luzes da casa apagadas e os espelhos cobertos. Minha mãe rezava e me pedia que ficasse imóvel, longe de vidraças, em silêncio absoluto, para não ser detectado pelos raios. A cada descarga, o coração disparava, vinha à boca. Quando a chuva parava, saía para o quintal e observava os canais abertos pela água no quintal de terra. Eu aproveitava a ajuda da natureza e construía diques, desviava a água para lagos protegidos por lama comprimida. Quando o sol chegava, forte, a lama endurecia e formava crostas duras, como as cascas das feridas nos meus joelhos e braços, sempre esfolados pelos tombos nos carrinhos de rolimã.

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