quinta-feira

"Quero ser puta"


(Na ilustração, tela da artista plástica Natalia
Fabia, da série Hooker Safari)


– Quando você escrever um livro eu quero ser personagem. Pode ser qualquer uma, até uma puta.

Não sei de onde X tirou essa ideia quando me fez o pedido. Aos dezessete anos, no último ano do clássico, nunca havia dito nada a ninguém sobre minha intenção de escrever um livro. Nem sabia que um dia viria a escrever um – na época tinha cometido apenas alguns poemas ingênuos, nenhum embrião de futura obra literária.

Com a publicação de meu primeiro romance, vinte anos depois, lembrei do pedido de X que não atendi. Estudávamos na mesma classe e ela acompanhava meu interesse pelas aulas de literatura comparada, sem saber que meu interesse maior estava nas aulas de sociologia, mais precisamente na professora de dedos longos e unhas brilhantes.

Ao fazer seu pedido, X talvez tivesse em mente as putas de Jorge Amado, sensuais e quase familiares, e não as putas vocacionais de Nelson Rodrigues. Eu conheci várias categorias de putas, se é que elas podem ser classificadas, mas são lembranças mais recentes; na época, eu não as conhecia tão intimamente e tinha na lembrança apenas as mulatas ancudas de Jorge Amado, de vestidos justos e floridos, colados ao corpo e cheirando a suor e azeite de dendê. Ou a cravo e canela. Mas Gabriela não era puta, era apenas devotada ao seu homem, como muitas putas, aliás.

Certamente a puta que X até concordaria em ser não era Geni, que cortou os pulsos e ditou suas últimas palavras ao gravador em Toda Nudez Será Castigada. Esta era uma mártir apaixonada.

Conheci putas tristes, com histórias pretensamente trágicas, mas que, na verdade, eram boas atrizes; putas que não se consideravam putas, mas eram putas; putas que gozavam loucamente e haviam descoberto uma ocupação prazerosa e remunerada. Também conheci putas religiosas, que rezavam depois de receber o dinheiro; putas casadas, que obtinham na rua o que não tinham em casa; putas-amigas, que adoravam estar com você, de conversar com você, de trepar com você e ganhar para isso.

Apesar de ter conhecido muitas putas e ter me apaixonado por algumas delas, não sou um profundo conhecer de sua alma. Também não sou um grande criador de personagens. As mulheres de meus livros não trazem um sentimento trágico ou épico do mundo, portanto em nada se assemelham a uma puta.

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