sexta-feira

[despertar paulistano]

[saio de casa para o trabalho muito cedo pela manhã. Os ponteiros do relógio, que regem nossos passos, se movem e, num ritmo que parece ensaiado mas na verdade é trôpego, outros personagens surgem: uma porta de garagem abre-se automaticamente e um carro sai sem que o rosto de seu condutor possa ser visto; um gato cruza a rua deserta sem pressa, como quem acaba de voltar de uma festa e ainda está muito feliz para sentir sono; japoneses idosos chegam de várias direções e se reúnem na praça do bairro, vestidos de branco, para a ginástica coletiva.

Em poucos minutos, no metrô, outros rostos ainda sonolentos fogem da luz no túnel subterrâneo que corta a cidade nas direções dos pontos cardeais. Os mais jovens são os que aparentam mais cansaço e fecham os olhos embalados pelo sacolejar dos vagões. No ouvido, os fones de aparelhos de mp3 parecem transmitir cantigas de ninar. Alguns leem, mas os livros sempre estão nas primeiras páginas. Será que vencerão o sono e conseguirão avançar até o final? Os assentos reservados aos idosos, grávidas ou pessoas com deficiência física estão ocupados pelos demais passageiros. Nesse horário, quem tem lugar garantido naqueles bancos ainda não saiu de casa.

Na estação onde desço, os camelôs já estão a postos com suas barracas armadas. Uma mulher com fresco sotaque nordestino, rosto moreno e liso como um pessego que acabou de ser colhido, ainda húmido pelo orvalho, vende café e bolo de milho que ela mesma faz. Ela sorri, entrega o bolo, recebe o pagamento, e já está pronta para novo cliente. Na cidade de onde ela veio, o sol já está nascendo e as ondas batem na areia, convidando para um passeio de barco. Ela está longe do mar, numa ilha cercada de pessoas apressadas que pararam para comer de suas mãos. Elas são limpas e macias e entregam cada fatia de bolo como o mar de sua terra, que lança conchas na areia.]

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