segunda-feira

[natureza viva]

Natureza Morta, de Daniel Fernandes

[domingo foi dia de feira, comunico com um dia de atraso. Nas barracas, frutas, verduras e legumes enfileirados formavam um painel colorido e brilhante. Inspiração para telas de natureza morta. Para mim, é natureza viva, pulsante. Um menino passa com o pai pela barraca de ovos (brancos e avermelhados) e o pai ensina: "os pássaros são ovíparos porque botam ovos". Não sei como a aula começou, nem como prosseguiu, pois eu continuei andando para fazer minhas compras. Quando eu era criança, minha mãe criava patos e galinhas. Gemada era com ovo de pata, mais forte; o gosto acentuado se perdia na mistura com o açúcar, a canela e o leite. Mais que os antibióticos que tomava diariamente, acho que foram as gemadas que me salvaram. Pelo menos era o que minha mãe dizia. E eu sempre acreditei nela.

Na feira de domingo comprei tomates do tipo italiano, grandes, vermelhos, doces. Seguindo a lei de Lavoisier, serão transformados em suculento molho para o macarrão e a carne dos próximos dias, em substituição aos molhos enlatados e ecologicamente incorretos. Nas barracas, uma aula de genética a céu aberto. Os pimentões que na minha infância eram apenas verdes e vermelhos, agora são amarelos e roxos, ou misturados com essas cores, parecendo um dálmata do reino vegetal. Aprendi em algum domingo longínquo que a revolução genética começa sempre nas barracas dos feirantes japoneses. Lá estão legumes e verduras alterados pelas mãos humanas: ganham cores, formatos, dimensões e sabores diferentes, como se tivessem sido trazidos de terras exóticas. Mas são todas cultivadas aqui, no cinturão verde que circunda São Paulo, aberto pelas enxadas dos imigrantes orientais e europeus.

A feira também é parte da aula sobre a geografia humana brasileira. Ao lado das barracas dos descendentes dos imigrantes estrangeiros que alimentaram suas famílias vendendo produtos na feira, estão as dos migrantes nordestinos, nos ensinando o sabor de algumas frutas que antes só eles conheciam: siriguela, sapoti, pequi (com seus espinhos internos e traiçoeiros, mas de gosto refinado para a culinária do Norte).

Tempos atrás, um governante burocrata que nunca deve ter colocado os pés numa feira criou uma lei para calar os feirantes, impedindo-os de apregoar seus produtos. Fui testemunha de uma verdadeira rebelião civil, armada apenas com o oxigênio dos pulmões, com os feirantes e seus filhos bradando a qualidade de seus produtos. A feira virou uma verdadeira torre de babel. Mesmo com todos falando a mesma língua, os sotaques se misturavam e nenhuma voz se distinguia, ao contrário, as vozes se misturavam num tempero tropical para qualquer prato doce ou salgado. Os feirantes ganharam no grito e o governante, envergonhado, rasgou o texto de sua lei que, se tivesse sido impressa em papel jornal, serviria para embrulhar pencas de bananas. Nada se perde, tudo se transforma.]

6 comentários:

  1. Oi
    Gosto de ler seus textos.
    As vezes vou a feira e me divito muito com as coisas que vejo por lá.
    A alegria dos feirantes, o entusiasmo com que anunciam seus produtos e as conversas entre eles é muito engraçada.
    Uma civilização a parte.
    Abraços
    Miriam

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  2. já experimentou ir de madrugada nos arredores do mercado municipal, onde vendem as mercadorias pra feira? experiência hilária. abraços.

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  3. Oi Lucas,

    Lucas,
    Nunca fui nos arredores do Mercadão de madrugada, mas acredito que deva ser muito interessante. O Plínio Marcos uma vez fez uma reportagem para a extinta revista Realidade (de saudosa memória)lá, contando a rotina desses trabalhadores. Bons tempos em que Plínio Marcos fazia reportagens nas quebradas da vida, como ele dizia.

    Mas já fui ao Ceasa de madrugada e acho que deve ser parecido.
    Obrigado pela visita!!
    Abraço

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  4. Adoro ir à feira. Encanto-me com a arrumação das barracas, com o brilho das frutas. Os tons de verde que nãoa cabam nunca! Adoro o burburinho, os gritos dos vendedores... adoro poder comprar os produtos frescos para a semana. Costume medieval e acirrado pelos escravos que deve ser mantido como tradição. Atrapalha o trânsito e suja a rua, mas é bom demais! Lindo texto. Elza

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  5. Muito gostoso seu texto!
    como citou Lavoisier, realmente é verdade, nada se perde, tudo se transforma...no prazer da leitura fluída!
    Parabéns! Sulamita

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  6. Elza e Sulamita,
    Obrigado pela visita à minha barraca de hortifrutilivros....

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