quarta-feira

"O que me justifica no mundo é a literatura"

[marçal Aquino está sendo bem recebido em Portugal, onde acaba de sair “Cabeça a Prêmio”, pela editora Quetzal. Em entrevista ao site português Diário Digital disse que considera "muito difícil escrever" e “quase impossível escrever bem”. Como um bom jogador, ele não entra em campo de salto alto. Mas não devemos nos iludir, ele possui um texto enxuto, preciso, digno dos melhores ficcionistas brasileiros contemporâneos. A entrevista foi concedida ao jornalista Pedro Justino Alves. Separo aqui apenas alguns bons momentos, respeitando a grafia lusitana:

Em Portugal, além de "Cabeça a Prêmio", da Quetzal, estão editados "O Invasor" e "Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios", ambos editados pela Palavra. Como qualifica estes três livros no conjunto da sua obra?

São livros que pertencem a um ciclo de narrativas longas, depois de ter publicado um conjunto de volumes com narrativas curtas. Tematicamente, são livros que falam, cada um à sua maneira, de realidades ásperas e típicas do Brasil contemporâneo.

Nos três livros a violência acaba por ser transformar num personagem próprio, inclusive, em determinados momentos, o personagem principal da narrativa. Essa violência ganha vida própria como acontece geralmente com os personagens ou, pelo contrário, é de certa forma mais recatada e surge na narrativa quando você pretende?

Pratico uma literatura de corte realista, que se apoia muito na realidade ao redor para se tecer. Infelizmente, a violência é, neste momento, um dado bastante presente no mundo real do Brasil. Logo, se ela não aparecesse nas minhas narrativas seria meio fraudulento. Mas a violência é apenas um elemento que utilizo, nunca assumindo vida própria.

A sua escrita é muito directa, como um gancho de direita num combate de boxe. Deve ser um processo de escrita estafante. Ou não?

Eu acho muito difícil escrever. Escrever bem, então, me parece quase impossível. É tarefa de mestres, aos quais presto humildes reverências. Considero a tarefa mais árdua a que já me submeti, mas, em contrapartida, também a mais gratificante. No caso do «Cabeça a Prêmio» foi extenuante porque se tratou de um mergulho radical. Lembro bem do processo de escrita do livro, que aconteceu entre os meses de Junho e Julho de 2001. Foram 54 dias de concentração total, escrevendo à mão em cadernos (que é assim que escrevo todos os meus livros) antes de passar o texto para o computador. Senti que ou escrevia dessa maneira quase maníaca ou então não conseguiria fazer o livro, que fatalmente ficaria pela metade. Acredito que todo livro exige o tempo de que precisa para ser escrito. Ao escritor cabe acatar ou não.

Esse tipo de literatura, cirúrgica, será a literatura deste século?

Eu acho que a literatura passa por um momento muito particular neste século, com um predomínio de uma maneira realista de narrar e com livros que, embora com discursos variados, tentam dar conta da realidade que nos cerca.

Escrever para cinema e televisão também facilita o seu processo de escrita para os livros? O que surgiu primeiro: a literatura ou os argumentos para filmes e televisão?

Eu me considero um escritor. Exerço todas as outras actividades ligadas à escrita - jornalismo e argumentos de cinema e de televisão - com muito prazer, mas considero tudo isso actividades subsidiárias. O que me justifica no mundo é a literatura. Afinal, é a actividade à qual dedico meus melhores esforços.

Acredita que há um renascimento da literatura brasileira, depois de anos de ostracismo e a viver sempre dos mesmos nomes?

Acompanho com atenção a produção literária brasileira desde a década de 1970. O que posso dizer é que nunca houve uma pluralidade de vozes como agora, e com discursos tão variados, que, no fim, de alguma maneira, dão notícia do país em que vivemos. E há ainda alguns aspectos inéditos bem interessantes. Um deles é o grande número de mulheres que publica neste momento. Nunca na história da literatura brasileira houve tantas mulheres escrevendo e publicando.

O que está a ler neste momento e um livro que o marcou nos últimos tempos?

Por coincidência, leio com grande paixão neste momento um maravilhoso escritor português, José Cardoso Pires. Sempre tive vontade de ler «O Delfim» e isso nunca acontecia. No ano passado, finalmente, consegui me encontrar com este romance soberbo e com a prosa deslumbrante do Cardoso Pires. Tanto que aproveitei minha passagem recente por Portugal para comprar todos os livros que não tinha dele. É com isso que tenho me deleitado nestes tempos. ]

Leia a íntegra da entrevista

6 comentários:

  1. O que me justifica ainda são três elementos:

    Deus
    Meus Pais
    Literatura (mais precisamente a Poesia)

    Grande abraço!
    Sempre bom vir aqui!
    Quando eu crescer quero ser jornalista assim como você!

    ResponderExcluir
  2. Oi Jaque,

    Bom receber sua visita também. Eu sei que você estuda jornalismo e vejo já está em plena fase de crescimento. É uma profissão bonita, mas que precisa encarar com muita dedicação. É quase um casamento. Sempre que quiser falar sobre ela me escreva, aqui ou em meu email. Tenho muita satisfação em falar com os jovens jornalistas. Torço muito por vocês que ainda sonham em ser jornalistas. Conte comigo para dicas sobre a profissão.

    ResponderExcluir
  3. Oiê...
    já li dois livros do Marçal, O invasor e Eu receberia as piores notícias dos seus lindo lábios. Adoro os títulos e também a sua escrita. Recomendo para todos.
    Ah, vou começar a seguir o blog do Saramago, desse jeito não sai do pc nunca mais!
    Ósculos

    ResponderExcluir
  4. Oi Malu,
    Eu também gosto muito das histórias do Marçal e dos roteiros que ele escreve para o cinema. Os primeiros livros deles, de contos, também são muito bons.

    O Saramago é danado e atualiza todo dia. Que vigor criativo.
    Beijos

    ResponderExcluir
  5. Ola
    Uma curiosidade me assalta quando leio voce:
    Como tem tempo de ler tanto???
    Sendo jornalista...onde esvcreve?
    Bjs
    Miriam

    ResponderExcluir
  6. Miriam,

    Não leio tanto assim. Gostaria de ler mais. Mas, como jornalista, acabei adotando algumas técnicas de leitura que me ajudam no dia a dia da profissão, como buscar textos por palavras- chave, ler apenas trechos das matérias que me interessam para depois lê-las na íntegra. É uma leitura seletiva. E outra coisa importante: não vejo televisão, que é uma grande ladra de tempo. Só ligo a TV para ver um ou outro jogo de futebol, que ninguém é de ferro....

    ResponderExcluir

Dê seu pitaco