terça-feira

miando na chuva

Tarde de chuva. O gato está deitado ao lado do computador, quase em cima do teclado; a gata dorme no capacho atrás da porta, mas não está ouvindo Chico Buarque. Se ela não odiasse o gato estaria aqui pertinho ouvindo Vanessa da Mata.



sexta-feira

solano trindade

5ª Sinfonia de Beethoven

5ª Sinfonia de Beethoven
Os dois tímbalos
parecem o mundo
partido ao meio

Eu gosto da barbárie dos tímbalos
como de todas as melodias
como de todos os sons
como de todas as cores
como de todas as formas.
Detesto limitações
eu gosto da barbaria dos tímbalos

5ª Sinfonia de Beethoven
Estou sofrendo
como as mulheres do parto
Eu gosto da barbaria dos tímbalos
Chove lá fora
e Garcia Lorca passeia na chuva

Barbusse está cheio de amor de pela vida
e Beethoven escuta a própria Sinfonia
Não sei onde está o fim
nem o princípio das cousas
sei que gosto da barbaria dos tímbalos

Eu sou como a semante
que espera a terra
Eu serei plantado
e meus irmãos repousarão sobre mim
quando eu for uma árvore frondosa
Minha amada está despida para me receber
Seu corpo é como a 5ª Sinfonia
Seus olhos são como a 5ª Sinfonia

 Seus seios
são como a 5ª Sinfonia
A minha amada é universal

Oh! se eu pudesse pintar a 5ª Sinfonia
Chove lá fora
Van Gogh passa em passos largos
 Gauguin está pintando as mulheres das ruas
e eu estou perdido
dentro de mim mesmo
porque não sei pintar
a 5ª Sinfonia de Beethoven

Onde estão os bárbaros?
Onde estão os civilizados?
Onde está o amor?
Onde está o ódio?
Estão na 5ª Sinfonia
As crianças marcham à minha frente
cantando uma canção da esperança

Ouçam todos os que me entendem
eu amo a 5ª Sinfonia de Beethoven
e não quero limites para viver.


De "A Razão da Chama", antologia de poetas negros brasileiros. Seleção e organização de Oswaldo de Camargo, Edições GRD, 1986.

quarta-feira

noite de pau-de-arara

"Foi longa, tumultuada no início, mas terminou entre lágrimas e aplausos a primeira sessão pública do filme “Lula – O Filho do Brasil”, de Fábio Barreto, que abriu terça-feira à noite (18/11) o 42º. Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.

Baseado em livro de Denise Paraná, que co-assina o roteiro com Fernando Bonassi e Daniel Tendler, o filme percorre a trajetória de Lula desde a infância, saindo de Garanhuns em pau-de-arara em 1952, com a mãe e irmãos, rumo a Santos (SP). Lá, reencontram-se com o pai, Aristides (Milhem Cortaz, de “Tropa de Elite”), alcoólatra e violento, que anos depois é abandonado por dona Lindu. Logo depois, ela e os filhos rumam para São Paulo, depois São Bernardo do Campo, onde Lula (na fase adulta, interpretado pelo estreante em cinema Rui Ricardo Dias) tornou-se operário e sindicalista, antes de entrar para a política."

Leia o relato de Neusa Barbosa, que estava na muvuca

mama áfrica







Essas imagens são algumas que selecionei entre outras 100 que recebi em Powerpoint. Normalmente, essas mensagens são correntes que, se não forem repassadas adiante, antecipam todas as catástrofes que podem se abater sobre o infeliz. Separei essas imagens de trabalhadores e de pessoas comuns que mexem os remos, movem máquinas, transportam utensílios, ou apenas aproveitam a infância para não fazer nada, como um gato. Lembro dos negros baianos lançando suas redes ao mar, desafiando o tempo de forma épica, como os pescadores de Dorival Caymmi; dos trabalhadores com as mãos calejadas que fazem a colheita do cacau, como nos romances de Jorge Amado; das mulheres com suas roupas floridas, como Dona Flor. Mas, acima de tudo, muito além da pobreza, são imagens que inspiram muito apego à vida. São retratos de pessoas minimalistas, que vivem com muito pouco, quase nada, mas não largam o remo. Pena que as imagens não têm o crédito dos fotógrafos.

segunda-feira

“quem não rezou a novena de Dona Canô...”


No céu, velando por nós, Cidinha, a santa neguinha pescada do fundo de um rio; na terra, puxando nossa orelha quando fazemos malcriação, Dona Canô. Da janela azul de sua casa em Santo Amaro da Purificação, na Bahia, ela acompanha, sorridente, seus filhos brincando na rua. Aos 102 anos, continua atenta a cada movimento que fazemos, como a mãe do filme “Édipo Arrasado”, de Woody Allen, onipresente nos céus de Nova York. Quando precisa resolver um problema muito grande, Dona Canô telefona diretamente para o presidente da República. Provavelmente vai se encontrar com ele no feriado da Consciência Negra, na próxima sexta-feira (20/11), em Salvador, para limpar a barra do filho cantor.

Quando estive exilado no interior, enquanto cursava a faculdade, encontrei uma segunda mãe, muito parecida com dona Canô. Era Dona Didi, mãe de João, Nana, Isa, Zé e Dito. João estudava jornalismo em minha turma. Era sobrinho de um poeta local (o poeta municipal de que falava Drummond?), tocava violão, como seus outros irmãos, que tinham um gosto apuradíssimo por música brasileira e literatura. As irmãs cantavam.

Eu ia pouco à faculdade, pois já estava trabalhando no jornal da cidade. Depois do fechamento, ia para a casa do João, onde filava a bóia e ficava ouvindo os LPs da série editada por Marcus Pereira, revelando a música regional brasileira pouco conhecida no sudeste. Foi lá que ouvi Elomar pela primeira vez, um arquiteto que vivia no sertão, criava bodes e cantava como um menestrel. Conversávamos até tarde da noite e dona Didi estava sempre presente, sentada em sua cadeira (era de balanço?), quase sempre em silêncio. Um dia ela me disse: “Homem tem que usar barba ou bigode”. João e Zé tinham bigode e Dito, barba. Mais de trinta anos depois, quando penso em tirar a barba, lembro do conselho de Dona Didi e vacilo.

Tenho uma teoria de que temos sempre duas (ou mais) mães, que nos confortam quando a nossa está longe ou já se foi.

Quando era criança, uma vizinha de minha família, Dona Lourdes, era uma segunda mãe para nós. Era uma negra sorridente, parecida com a Ella Fitzgerald. Era ela quem matava as galinhas e os patos que minha mãe criava, mas não tinha coragem de sacrificar. Ela é madrinha de minha irmã e ficou muito abalada com a morte de minha mãe. Seu filho mais velho, Miltinho, foi o melhor goleiro que vi em ação na infância. Dava gosto vê-lo voar na direção da bola e cair macio no chão de terra batida, ressecada.

Dona Didi morreu com mais de 80 anos e minha segunda mãe, hoje, é minha última tia carioca, que ainda tem muita lenha para queimar. Mas isso não me impede de tomar emprestado Dona Canô, sempre que a saudade aperta.

sábado

pausa musical



Descobri esse vídeo de Elis em um especial de uma emissora de TV alemã, realizado em 1972. Ela canta "Comunicação", de Edson Alencar/ Hélio Matheus, num cenário publicitário, repleto de "signos" (como se dizia na época) da comunicação global. Detalhe para o comprimento do vestido da moça, bem mais curto que o da aluna da Uniban. Ela canta essa mesma música num especial da TV Globo, um ano antes. Impossível não se apaixonar.



O argentino (nascido na Espanha e que vive nos EUA) Emilio Teubal dá um toque muito pessoal e jazzístico a "Loro", de Egberto Gismonti. Detalhe para o gato junto do piano. Gismonti compôs essa música em homenagem a Hermeto Paschoal.



Por Falar em Hermeto, o bruxo levou seus músicos para o Vale do Ribeira e interpreta uma sinfonia ecológica. Nada mais natural para quem já "tocou" porcos e sapos.  Apresentei a música de Hermeto para um jornalista suíço correspondente de uma revista alemã em São Paulo, entre os anos 80 e 90, e ele se apaixonou. Sempre que ele vinha à minha casa, ficavámos ouvindo Hermeto, Egberto Gismonti, Patativa do Assaré.

quinta-feira

pedra brilhante escurece o país

Os 19.430 habitantes de Itaberá (pedra brilhante em tupi) foram dormir na noite de terça-feira, em meio a uma forte chuva que atingia a região, sem saber que, quando desligaram o interruptor, quase todo o país estava às escuras, procurando uma vela em alguma gaveta repleta de contas velhas, cartões de visita, receitas médicas e pó de algum cupim faminto.

Como dificilmente a grande imprensa vai se dar ao trabalho de visitar a cidade, vou adiantar um pouco do que descobri, apenas nessa viagem imóvel pelo Google.

Itaberá fica no meio de um vale, banhada por dois rios (o Taquari e o Verde), a 318 km de São Paulo. Fotos aéreas, que enfeitam o site da prefeitura, mostram uma cidade cuja área urbana vai aos poucos se esparramando. O vale foi aparado pelos tratores dos proprietários rurais, deixando listras horizontais e verticais na terra, sinais de plantio.

O povoamento das terras entre os dois rios começou, segundo o site Citybrazil, no fim do século XVII, em decorrência da migração de habitantes de áreas de mineração ou de produção do açúcar. “Mas foi a chegada dos mineiros José Rodrigues Simões, Francisco Antônio da Silva e Antônio Joaquim Diniz, que, em 1862, doaram gleba para formação de um patrimônio, na elevação entre os córregos da Água Limpa e Lavapés, afluentes da margem esquerda do ribeirão das Lavrinhas”.

“No local, foi erguida a capela de Nossa Senhora da Conceição de Lavrinhas, na antiga Vila de São João Batista do Rio Verde (atual Município de Itaporanga). Em 1914, a antiga capela foi demolida, dando lugar à igreja Matriz de hoje. Em março de 1871 foi elevada à freguesia e incorporada à Vila de Itapeva da Faxina, passando a Município (Vila) em abril de 1891, com o nome simplificado para Lavrinha, que em 1905 foi denominada Itaberá.

As fotos aéreas mostram uma cidade com pouca área verde no espaço urbano, a igreja matriz e dois campos de futebol, com grama bem cuidada. Não sei se a cidade tem uma avenida Getúlio Vargas, como quase todas cidades brasileiras, mas tem um motivo de orgulho, a bela modelo Renata Bonjesus, uma leonina de 22 anos, cujo sonho é conhecer o Vietnã. Ah, ela também é corintiana.

quarta-feira

à meia luz


Equipamento de segurança: belo desenho de Sapoleka

O que nos conforta diante de uma catástrofe é saber que estamos preparados para enfrentá-la. Inveja, mau-olhado, quebranti? Galho de arruda atrás da orelha. Noé foi o primeiro a sentir essa sensação de alívio quando, obedecendo ordens superiores, construiu sua arca. Só em alto-mar e com uma tripulação inusitada é que respirou aliviado, mesmo estando com as mãos calejadas.

Desde criança defendo que temos de ter por perto equipamentos de segurança indispensáveis para nossa existência: canivete (de preferência suíço, que vem com uma série de pequenas ferramentas úteis em viagens, como abridor de garrafa, tesourinha etc), estilingue (claro que um adulto não precisa mais, mas para uma criança é o equivalente a entrar num saloon do velho oeste com o coldre vazio), chave de fenda, alicate, cortador de unha, um cartela de aspirinas, caixa de fósforo e uma vela.

E foi justamente uma caixa de fósforos e uma vela que salvaram minha vida ontem, quando as luzes se apagaram. Os mais modernos podem substituir os fósforos por um isqueiro a gás, mas os palitos de fósforos são muito mais baratos e ainda podem adquirir outras funções, como furar a cabeça de um charuto na falta de um cortador adequado.

Ontem à noite, acendemos velas de vários formatos e tamanhos, presentes de ocasiões festivas, e deixamos a casa com uma aparência de castelo de romance inglês: meia luz que realçava a profundidade do ambiente, sombras que adquiriam formas curiosas ou até fantasmagóricas. Os gatos pareciam se divertir, desaparecendo do campo visual, mas se arriscando a serem pisoteados.

Hoje no trabalho, um colega lamentou: "tudo na minha casa é digital. Preciso comprar pelo menos um radinho de pilha para saber o que está acontecendo". Eu tenho radinho de pilha e pilhas novas em quantidade suficiente para esperar a chegada do Armagedon. E nosso pequeno rádio, comprado numa viagem ao exterior, muitos anos atrás, ainda tem ondas curtas. Dá para sintonizar a BBC e saber se Londres está sendo bombardeada. Ou ouvir as crônicas do Ivan Lessa.

Antes de dormir ainda li duas crônicas do livro do Nassif, com um castiçal ao lado da cama. Mas, ao contrário de Clarice Lispector, que não apagava suas tochas antes de dormir, assoprei a vela e só acordei hoje, com o despertador de pilha, vendo a luz do sol substituir as turbinas de Itaipu que, naquela altura, já estavam funcionando, mas sem precisão.

terça-feira

da costela de Audrey Hepburn

Quem notar alguma semelhança entre a personagem desse gibi italiano e Audrey Hepburn estará na trilha certa. É Julia Kendall, uma criminóloga criada pelo roteirista Giancarlo Berardi (um dos autores do cult Ken Parker) de uma costela da atriz americana. Lançada também no Brasil, a série é muito bem construída e cada exemplar traz uma pequena obra-prima em quadrinhos. O gibi é todo cinematográfico: sua empregada é inspirada em Woopie Goldberg, um dos policiais é a cara do John Goodman. Os roteiros são muito bem elaborados, com tramas que sempre terminam com uma revelação surpreendente, com muitas reviravoltas. O assassino nunca é o mordomo. Uma mistura de Sherlok Holmes com Agatha Cristie e Alfred Hitchcock.

Estava planejando falar de Julia e consegui um bom álibi: o filme "Infâmia", de William Wyler", com Audrey Hepburn, Shirley Maclaine e James Gardner, lançado neste mês de novembro em DVD. É a adaptação de uma peça de Lilliam Hellman, sobre os efeitos de uma mentira contada por uma criança má que destrói a vida de duas professoras de uma escola para meninas, numa cidade provinciana dos Estados Unidos e, em efeito cascata, atinge outras pessoas também de forma irreversível.

Audrey e Shirley estão ótimas no papel das duas jovens acusadas de serem amantes por uma criança geniosa que não gosta de ser contrariada e faz qualquer coisa para ser o centro das atenções. Quem se lembrar de algo parecido ocorrido em São Paulo, também estará na pista certa. Há alguns anos, vários professores e o proprietário da Escola Base foram presos e injustamente acusados de pedofilia. Antes da verdade ser esclarecida, foram massacrados pela imprensa. Até hoje se fala nesse caso e os jornais, revistas e emissoras de TV que participaram do linchamento posam de inocentes, como a menina mentirosa que sustentou a mentira até nos tribunais.

segunda-feira

em busca do leitor


Laurentino Gomes participou do Festival Literário de Porto de Galinhas, encerrado no último fim de semana. Nessa entrevista ele toca num ponto interessante: o novo leitor e as novas mídias. Depois do best-seller "1808", ele está escrevendo "1822", que engloba o período da proclamação da Independência, pensando em novos "suportes" para sua obra, utilizando todas as potencialidades da internet. Antes do livro ser publicado, ele terá criado uma grande expectativa em relação à obra por meio de um site e do twitter, por exemplo.

Não dá para ficar indiferente a essas novidades tecnológicas que, sem dúvida, podem trazer novos leitores, mas é necessário saber onde pisamos para que o escritor não se afaste do texto e se transforme num mero marqueteiro.

adoçando notícia amarga


Há tarefas que são quase impossíveis no jornalismo e, normalmente, cabe aos ilustradores executá-las. Tarde da noite, fechamento de edições antecipadas, cai no colo do artista um catatau sobre crise cambial, depreciação do dólar, enfim, um tema cabeludo, repleto de jargões e fórmulas matemáticas. Pacientemente, lutando contra o relógio, de sua prancheta sai um trabalho como o que pode ser visto nesta página, de autoria de Carlinhos Müller, do Estadão, que fala por si, sem precisar de algum texto para acompanhamento. É prato principal. É filé de primeira. Pura proteína.

Trabalhamos juntos e varamos muitas madrugadas de sexta-feira adiantando as edições de domingo: eu andava de mesa em mesa procurando notícias para a primeira página (sim, as manchetes de domingo eram definidas na noite de sexta-feira e madrugada de sábado) e Carlinhos fazendo ilustrações e infográficos, que são aquelas tabelas com ilustração que viraram mania nos jornais atuais e roubam espaço das notícias.

Lembro vagamente que ele tocava num banda de rock e sempre conversava com outros jornalistas que também tocavam algum instrumento. Eram noites que demoravam a passar e muitos de nós estariamos de volta no sábado de manhã, depois de três horas de descanso.

Artista premiado, Carlinhos tirava leite de pedra dos assuntos que recebia para ilustrar. E continua fazendo a tarefa muito bem, como demonstra na edição desta segunda-feira (9/11) do caderno de Economia do Estado.

domingo

concurso para bedel


Instituição de ensino superior de São Paulo abre vagas para bedel. Na foto, prova eliminatória, na qual o candidato deverá comprovar seus conhecimentos com as tabelas de pesos e medidas, que serão utilizadas em seu dia-a-dia, na fiscalização da indumentária das alunas. O número de inscritos é superior em 10x1 ao número de vagas.

rodapé: a foto é do filme "Nós que aqui estamos, por vós esperamos", de Marcelo Masagão, que não tem nada a ver com o ensino superior paulista.

coleção outono-inverno


Na foto, modelo afegã a caminho da faculdade.

Graças à globalização, as informações voam mais rápido que pipa no céu em dia de vendaval. Os últimos acontecimentos educacionais paulistas chegaram também às cavernas do Afeganistão onde ainda resistem os bravos talibãs. E é da assessoria de imprensa deles (eles não mandam só cartas-bombas) que recebi um release divulgando a nova coleção de burkas desenhadas especialmente para jovens universitárias, que eles gostariam de ver espalhadas pelo Ocidente.

Os designers de moda talibãs viram no episódio paulista uma ótima oportunidade de estreitar os laços econômicos e culturais com nosso país. A moda agora, dizem eles, não nasce apenas nos desfiles de Milão e Paris, mas explode também nas passarelas de areia e rochas de Kandahar. Reparem que uma das moças (e elas têm olhos lindos, capazes de causar tumultos)têm total liberdade de movimentos nas mãos para usar um telefone celular. Mas os mulás da moda sugerem que o aparelho seja desligado nas salas de aula, para não desviar a atenção do conteúdo pedagógico que está sendo ministrado.

sexta-feira

o que ela viu nele?

Não sei o que essa moça viu no Sarkozy, mas posso imaginar o que ele viu nela. E não é que ela canta bonitinho, daquele jeitinho sussurrante? De perder a cabeça na guilhotina.



Abaixo, Bessie Smith, que colocou esses mesmos versos na boca da loirinha. A canção é de 1929, quando os avós de Carla ainda cantavam a tarantela e Bessie curava alguns porres.

quinta-feira

Milton Hatoum disputa prêmio literário na Irlanda


O romance “Cinzas do Norte”, de Milton Hatoum, é um dos 156 concorrentes ao prêmio literário Impac Dublin, que este ano tem também os portugueses José Saramago ("As Intermitências da Morte") e José Rodrigues dos Santos ("O Codex 632") e o angolano José Eduardo Agualusa ("As mulheres do meu pai").

O Impac é um dos prêmios literários com maior dotação em escala mundial: 90 mil libras (100 mil euros). Participam da edição deste ano títulos de 46 países, escritos em 18 idiomas.

Também concorrem Toni Morrison ("A Mercy"), Aravind Adiga ("O Tigre Branco", título da edição portuguesa), Salman Rushdie (“A feiticeira de Florença"), Philip Roth ("Indignação") e Paul Auster ("Homem no Escuro").

Os livros selecionados para a lista serão anunciados pelo júri do prêmio em 14 de abril de 2010, e o nome do vencedor será divulgado dois meses depois, em 17 de junho.

Qualquer romance pode concorrer ao prêmio, independentemente da língua em que originalmente for escrito, desde que tenha sido traduzido para o inglês.

Hatoum fala sobre o livro ao Digestivo Cultural

quarta-feira

tatus

Tatu 1

Os dois meninos esquentavam aquele tipo de discussão filosófica comum na infância, em busca do argumento certeiro para vencer a disputa: eu sou isso, você não é; eu tenho tal coisa, você não tem. Quando o que parecia mais perto da vitória disparou:

- Minha mãe tem uma tatuagem, a sua não tem!

- Tem sim!

- E onde é?

- Num lugar que ninguém pode ver...

- E como você sabe?

- Porque eu vi.


Tatu 2

No metrô, um rapaz sentou-se no banco dos bobos, aquele que fica de frente para os passageiros sentados do lado oposto do vagão. Vestindo bermudas, ele tinha a perna esquerda quase totalmente tatuada com uma espécie de folhagem com espinhos, que se enroscava e subia por sua perna. No seu braço esquerdo, a mesma folhagem saía de baixo da manga da camiseta e prosseguia a trajetória em direção à mão, como uma planta em busca de sol. Na perna direita, outra tatuagem germinava no peito do pé e seus galhos subiam rumo ao joelho. Na primavera ele será um frondoso tronco em harmonia com a natureza.

terça-feira

a casa da minha infância

Comecei a ler "A Casa da Minha Infância", coletânea das crônicas que Luis Nassif publicava aos domingos em sua coluna na Folha de S. Paulo, reunidas em livro pela Editora Agir. Mesmo escrevendo sobre economia, aos domingos o comentarista de assuntos tão sérios e herméticos abria as janelas e deixava o ar entrar. E alegrava seus leitores. Nesses textos o comentarista econômico tirava a gravata e lembrava histórias de sua infância em Poços de Caldas, Minas Gerais.

Lembranças de escola, de amigos, tios e irmãos me fizeram voltar no tempo e lembrar de minhas próprias memórias de infância. Nada mais parecido e repetitivo que o passado. As lembranças parecem ser as mesmas para todos. Nessa hora, a humanidade é realmente uma grande família.

E ao lembrar da infância, não há como não pensar na morte. Ao olhar para o passado, lembro mais dos adultos do que das crianças. Adultos que morreram naquela época. Meu avô que chegou doente em casa e, dias depois, morreu do coração. O corpo foi velado no cômodo em que eu dormia. Não lembro mais, mas o cheiro das velas deve ter impregnado as paredes por muitos dias.

Mas não esqueço que, anos depois, uma de minhas tias, filha predileta dele, foi ao cemitério acompanhar a exumação e levou os ossos, dentro de uma mala de viagem, para serem sepultados numa cidade do interior, onde ele viveu desde que chegara da Itália. Foi uma longa viagem de trem e os ossos chacoalhavam na mala, acomodada no bagageiro acima da cabeça dos passageiros. Chacoalhavam é por conta de minha imaginação. Na época me fascinava a história de uma mala com ossos humanos sendo embarcada num trem, como uma bagagem comum.

Hoje, as pessoas ainda vivas que guardam essas histórias antigas ou as esqueceram (por não valorizá-las tanto)ou já não têm condições de recordá-las, como meu pai. Cada pedaço dessas histórias, como as publicadas por Nassif, é recolhido de fontes diferentes e remontado pelos filhos e netos. Mas nem sempre os relatos coincidem, às vezes são divergentes. Só nos resta guardar lembranças tênues, suposições, indícios. E montamos nossa história, sabendo que ela não é tão precisa, mas é a única que temos para guardar. Cabe numa mala de viagem e vai chacoalhando pelo caminho.