terça-feira

a casa da minha infância

Comecei a ler "A Casa da Minha Infância", coletânea das crônicas que Luis Nassif publicava aos domingos em sua coluna na Folha de S. Paulo, reunidas em livro pela Editora Agir. Mesmo escrevendo sobre economia, aos domingos o comentarista de assuntos tão sérios e herméticos abria as janelas e deixava o ar entrar. E alegrava seus leitores. Nesses textos o comentarista econômico tirava a gravata e lembrava histórias de sua infância em Poços de Caldas, Minas Gerais.

Lembranças de escola, de amigos, tios e irmãos me fizeram voltar no tempo e lembrar de minhas próprias memórias de infância. Nada mais parecido e repetitivo que o passado. As lembranças parecem ser as mesmas para todos. Nessa hora, a humanidade é realmente uma grande família.

E ao lembrar da infância, não há como não pensar na morte. Ao olhar para o passado, lembro mais dos adultos do que das crianças. Adultos que morreram naquela época. Meu avô que chegou doente em casa e, dias depois, morreu do coração. O corpo foi velado no cômodo em que eu dormia. Não lembro mais, mas o cheiro das velas deve ter impregnado as paredes por muitos dias.

Mas não esqueço que, anos depois, uma de minhas tias, filha predileta dele, foi ao cemitério acompanhar a exumação e levou os ossos, dentro de uma mala de viagem, para serem sepultados numa cidade do interior, onde ele viveu desde que chegara da Itália. Foi uma longa viagem de trem e os ossos chacoalhavam na mala, acomodada no bagageiro acima da cabeça dos passageiros. Chacoalhavam é por conta de minha imaginação. Na época me fascinava a história de uma mala com ossos humanos sendo embarcada num trem, como uma bagagem comum.

Hoje, as pessoas ainda vivas que guardam essas histórias antigas ou as esqueceram (por não valorizá-las tanto)ou já não têm condições de recordá-las, como meu pai. Cada pedaço dessas histórias, como as publicadas por Nassif, é recolhido de fontes diferentes e remontado pelos filhos e netos. Mas nem sempre os relatos coincidem, às vezes são divergentes. Só nos resta guardar lembranças tênues, suposições, indícios. E montamos nossa história, sabendo que ela não é tão precisa, mas é a única que temos para guardar. Cabe numa mala de viagem e vai chacoalhando pelo caminho.

8 comentários:

  1. Quando o outro vive, sempre vai ser uma experiência diferente. A época que mais tenho lembranças, é da minha infância. Acho que eu tinha mais tempo para guardar as memórias. Consigo descrever até cheiros. Hoje as coisas vão fácil. Vai entender...

    Gostei do texto.
    Abrs

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  2. É Ilana, quando o tempo vai passando a gente começa a se lembrar mais da infância. A gente relembra de histórias, ou acha que relembra. Trabalho muito com isso: a persistência da memória...
    bjs

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  3. Por falar em memória, a semana passada meu médico me recomendou um "remédinho" para ela! Quero lembrar mais e melhor do presente!
    Forte abraço!

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  4. Eduardo,
    Quando eu era criança toma um remédio para memória chamado neurofosfato não sei o que. Já esqueci. rsrsrs. Parecia tinta de caneta...

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  5. Pior é que é verdade.... Já naquela época eu era meio esquecido.

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  6. adorei essa história de ossos chacoalhando na mala no trem... muito sensorial, muito impressionante.
    Gostaria de ler mais sobre isso...
    bjs

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  7. Quem sabe essa história dá um conto? Bem lembrado....

    beijos

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